Facundo e o Poder

Argentina derrotada pela barbárie…

Domingo Faustino Sarmiento publicou, em 1845, sob forma de livro, uma obra em estilo romântico-goyesco, onde relatou aspectos da história argentina, para explicitar os graves problemas da sua pátria e combater Rosas e seu governo. Trata-se de Civilización y barbarie: la vida de Juan Facundo Quiroga, que se tornou uma das obras mais conhecidas da literatura hispano-americana do século XIX.

Na verdade, Sarmiento poderia ter escolhido figura mais proeminente na vida nacional para, por meio dela, desenvolver a sua análise. Todavia, Facundo, o arquétipo caudilho de La Rioja, foi quem melhor se ajustou aos propósitos do escritor, por representar a barbárie, uma das duas realidades conflitantes daquela sociedade.

O que o Autor gostaria de ter efetuado era um amplo estudo sociológico dos fatores que determinavam ou interferiam na vida da sociedade argentina. No entanto, confessou que não iria ainda desenvolver um trabalho de tamanha abrangência por lhe faltar preparação filosófica e histórica. Por essa razão, concentrou a sua atenção no estudo de um personagem e, a partir dele, estabeleceria as generalizações que pudesse formular.

Ganado cerca de Buenos Aires laceado para sacrificar, Peter Schmidtmeyer & Agostino Aglio, 1824. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em 07/10/22.

Buenos Aires vista da Plaza de Toros, Emeric Essex Vidal, 1820. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em 07/10/22.

A obra representa, portanto, o olhar de Sarmiento sobre a realidade argentina. Ao identificar o que denominou barbárie, tentou explicar as suas causas e esboçou as providências que deveriam ser tomadas para a implantação da civilização.

De um modo geral, para o periodista argentino, a barbárie estava vinculada às planícies e ao campo. A civilização, contrariamente, se identificava com a cidade. A realidade argentina vista por ele simbolizava a vitória do campo sobre a cidade, a vitória da barbárie sobre a civilização.

Em O Facundo viu a Argentina e a Hispano-América em busca de outros caminhos…

A grande preocupação de Sarmiento era, portanto, analisar o mais profundamente possível a realidade argentina e, por extensão, a hispano-americana – que era a da barbárie – para, em seguida, traçar os caminhos da Argentina e da América espanhola que ele desejava – que era o da civilização.

Percebe-se, em quase toda a extensão da sua análise, que Sarmiento imputa à herança espanhola a quase totalidade do atraso material decorrente da insuficiência técnica, da incapacidade, da indolência espiritual que inibe o hispano-americano de servir-se dos recursos naturais e, sobretudo, da tacanhez política que o impede de aceitar um governo de tendências mais liberais.

Facundo Quiroga, Alfonso Fermepin, 1836. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em 07/10/22.

A província de La Rioja, onde nasceu Facundo, foi examinada pormenorizadamente. O Autor mencionou que após a independência, a região experimentou um processo de involução. A província deixou de usufruir de alguns benefícios antes havidos tais como: a escola, a religião, a habitação, o dinheiro, os médicos, os advogados, os juízes e uma população em crescimento. Em outros termos, La Rioja deixou de participar dos benefícios da civilização.

Em seguida complementou. A ausência de escola leva a uma educação ineficiente. A falta de religião pressupõe a degeneração moral do homem. Se não houver habitação, manifesta-se o atraso material. A escassez do dinheiro revela uma vida primitiva. Sem os médicos, o homem está desassistido e comprometido pela enfermidade. A ausência dos advogados e dos juízes assinala a própria inexistência das leis e do direito. A população em declínio indica a extinção gradativa daquele núcleo humano.

A Argentina e a América espanhola desejadas por Sarmiento deveriam ter, além de outros elementos, a educação, a religião, a habitação, o sistema médico, a organização jurídica e uma população crescente.

A vitória da civilização sobre a barbárie…

Sarmiento possuía a convicção de que já vislumbrara alguns caminhos para a construção da Argentina e da Hispano-América que desejava. Acreditava ter encontrado os meios para a implantação da civilização. Um deles era certamente a educação. Além dela, o intelectual defendeu em alguns dos seus textos, a eficiência da imigração europeia não-ibérica, como instrumento de civilização. Ainda, advogou a favor de reformas na economia e na política, com vista a alcançar os mesmos propósitos, ou seja, a derrota da barbárie.

No âmbito da economia, estava convencido da necessidade da liberdade de comércio e do incremento das vias fluviais como alternativa viável para o seu crescimento e o da comunicação entre as diversas províncias.

Batalla de Caseros, Alejandro Bernheim e Carlos Penutti, 1852. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em 07/10/22.
Neste enfrentamento, ocorrido em 3 de fevereiro de 1852, o exército da Confederação Argentina sob o comando de Juan Manuel de Rosas foi derrotado pelo Exército Grande liderado por Justo José de Urquiza. O embate teve como consequência a renúncia imediata de Rosas do governo e seu exílio na Grã Bretanha.

A obra enfatiza, contudo, que o fator político seria o elemento mais importante para estabelecer a vitória da civilização sobre a barbárie. Para tanto, nesse caso, Juan Manuel de Rosas deveria ser destituído do poder.