An old man in an armchair, Rembrandt, 1652. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em: 26/11/2021.

Nota sobre o documento

Do que se trata

Carta-relato a Francisco Ruiz descrevendo a visita feita a Félix Varela em San Agustín, no Natal de 1852, onde expôs as circunstâncias extremas em que o padre havanês se encontrava. O texto, redigido no mesmo dia da visita, retrata o visitante amargurado e impotente diante de tanta miséria e dificuldade vivida pelo antigo mestre.

Autor da Carta

Lorenzo de Allo. Ex-aluno do Seminário de San Carlos y San Ambrósio. Discípulo de Varela, proscrito por razões políticas, residente em Nova York. Era colaborador do periódico La Verdad e cofundador do Ateneu Democrático da cidade onde vivia. Àquela altura, estava envelhecido precocemente e adoentado. Ao aproximar o Natal de 1852, estava em viagem a Charleston para tratar de negócios com um compatriota seu e resolveu se estender até San Agustín, para visitar o seu professor.

Destinatário

A carta teve como destinatário Francisco Ruiz, respeitável clérigo cubano e um dos sucessores do padre Varela, na Cátedra de Filosofia do Seminário San Carlos y San Ambrósio, em Havana.

Tópicos relevantes

Descrição do minúsculo cômodo de madeira, com duas estampas de santos penduradas nas paredes, situado nos fundos do prédio da escola anexa à igreja de San Agustín e do seu mobiliário: uma pequena mesa, duas cadeiras, um sofá simples, uma mala e nada mais.

Descrição do velho mestre de 64 anos, reclinado sobre o sofá, escorado por três almofadas grandes, posição em que sentia menos dores e que poderia respirar com mais facilidade, um homem fraco, magro, de olhar místico, que ainda conservava os cabelos, os dentes e dispunha, também, da mesma mente perspicaz de sempre.

Reconhecimento. Não reconheceu o discípulo de imediato. Em seguida, perguntou pelos amigos de então (de há 31 anos passados), citando nomes dos alunos e dos catedráticos. Lembrou-se de detalhes. Este disse da alegria que o visitante lhe deu. Animou-se tanto que já não parecia um homem tão doente. Falou de suas três ou quatro enfermidades e que não podia ler e escrever, posto que já não enxergava as letras.

Varela mencionou a generosidade do padre Edmond Aubril, sacerdote francês, vigário da paróquia de San Agustín, por tê-lo abrigado ali e que, sem a assistência dele já teria morrido.

O visitante, estarrecido, disse não estar acreditando no que via. Um homem de tantos saberes e de tantas virtudes reduzido a tal condição. Vivendo num país estrangeiro e alimentado pela piedade de um homem de outro país.

Lorenzo de Allo falou da necessidade de se levantar entre os seus antigos alunos que desfrutassem de melhores condições financeiras, uma dotação para subsidiar o mestre nos poucos meses que lhe restavam de vida.

Vigário Geral de Nova York em San Agustín

Os rigores do inverno no Norte, a vida austera e privações voluntárias agravaram os problemas de saúde de Varela ao longo do tempo. O Sul era mais quente. Deslocou-se para San Agustín em busca de alívio. Lá, passou a sua infância, tinha amigos e recordações familiares. Melhorou e retornou a Nova York. Houve uma piora da saúde. Fez uma segunda temporada em San Agustín. E retornou às suas atividades, em julho de 1849, em melhores condições. No inverno, nova recaída. Fez uma terceira viagem e não mais regressou. E o clima ameno, não mais aliviou seu sofrimento.

A carta chega em Havana

A carta chegou em Havana nos primeiros dias de janeiro de 1853 e causou verdadeira comoção entre os amigos de Varela. Determinaram-se convocar com urgência uma reunião formal para tomar as medidas cabíveis.

Gonzalo Alfonso adiantando-se às decisões que seriam tomadas, enviou 200 pesos por meio de Juan Bautista Lasala, amigo comum, recomendando-lhe atender ao clérigo no que viesse a necessitar.

A solidariedade dos antigos discípulos

A mencionada reunião ocorreu na residência de Gonzalo Alfonso. Ali ficou decidido que se Varela quisesse retornar, não haveria obstáculos legais intransponíveis, em virtude da anistia condicionada de 1832. A questão estaria submetida à apreciação do Governador Geral de Cuba.

Caso contrário, seria garantido a ele uma subsistência cômoda na cidade que escolhesse viver, nos Estados Unidos ou em outro país.

Finalmente, escolheram José María Casal, advogado, membro da Sociedade Econômica, grande empreendedor cubano, um dos discípulos mais amados de Varela, para levar-lhe os fundos necessários.

Casal, tomando a pulso a tarefa, embarcou para a Flórida no dia 23 de fevereiro de 1853.

A ajuda chegou tarde demais

Os amigos não imaginavam que todo aquele esforço seria perdido. Varela faleceu no dia 18 de fevereiro de 1853. Casal somente chegou em San Agostín em 3 de março, pois, uma tempestade não permitiu que o vapor Isabel atracasse em Savannah. Teve que se deslocar para Charleston, mais ao norte.

Contristado ao saber do falecimento de Varela, entrou imediatamente em contato com o padre Edmond Aubril para se inteirar dos acontecimentos.

A primeira ideia que ocorreu a Casal foi levar, de pronto, o corpo do mestre para Havana. Desaconselhado por Aubril que temia uma oposição dura dos católicos de San Agostín, que aliás já se movimentavam ao saber da presença de um enviado dos cubanos à cidade. Além disso, havia uma questão política subjacente a ser enfrentada.

Casal foi aconselhado a colocar em prática um sonho de Varela. Adquirir o terreno contíguo ao Cemitério Católico de Tolomato, que ampliaria a área do Campo Santo, e ali construir uma capela. Assim se fez. No interior da capela, Casal determinou que se depositasse os restos mortais do cubano ilustre.

As providências foram executadas. No dia 22 de março houve a solenidade de lançamento da pedra fundamental do pequeno edifício. Dois dias depois, Casal retornou a Havana. O altar da capela e seus acessórios, bem como uma lápide de mármore branco foram confeccionados na capital cubana e enviados a San Agustín. A capela foi inaugurada em 13 de abril de 1853, e os restos mortais de Varela foram para lá trasladados, após reconhecimento pelo padre Edmond Aubril e pelos guardas da igreja.

Algumas referências para análise da fonte histórica

Fonte primária:
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Bibliografia:
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Filme-documentário:
Ficha técnica. Nome: Félix Varela. Ano: 2006. Duração: 90 minutos. Sinopse: Nascido em Cuba, Félix Varela desenvolveu múltiplas e variadas atividades ao longo de sua vida: sacerdote, professor de latim e filosofia, pedagogo, escritor, editor, cientista, filósofo, professor de direito constitucional, deputado nas Cortes da Espanha, jornalista, teólogo e músico. Todas essas atividades sempre tiveram como fio condutor a espiritualidade de um autêntico pensador cristão. Filmado em Cuba, Estados Unidos e Espanha, o documentário narra a história do extraordinário sacerdote cubano, cujo pensamento tem importância para Cuba e para todas as Américas. Direção: Renato Barbieri. Pesquisa: Victor Leonardi. Consultor Especial de Investigação: Dinair Andrade da Silva. Projeto e Roteiro: Victor Leonardi e Renato Barbieri. Produção Executiva: Marcus Ligocki. Direção de Produção: Andrea Fenzl. Música Original: Guilherme Vaz. Direção de Fotografia: Adrian Cooper e Carlos André Zalasik. Montagem: Piu Gomes. Narração: Rodrigo Vivar. Narração “Varela”: Guillermo Figueroa. Arte: Marcia Roth e Manu Militão. Direção de Arte: Adrian Cooper e Andrea Fenzl. Participações Especiais: Ilya Martinez e Andrés Trujillo. Produção: Signis e Videografia.

Autor: Prof. Dr. Dinair Andrade da Silva

O texto documental foi transcrito de TORRES-CUEVAS, E. et alii. Félix Varela Obras. t. III, La Habana: Imagen Contemporánea, Editorial Cultura Popular, 1997, p. 286-288.

Como citar este post: SILVA, Dinair Andrade da. Nota sobre o documento: Carta de Lorenzo de Allo al señor Francisco Ruiz. Saint Augustine, Fla. Diciembre 25 de 1852. In: Histórias das Américas. Disponível em: https://historiasdasamericas.com/carta-de-lorenzo-de-allo-al-senor-francisco-ruiz-saint-augustine-fla-diciembre-25-de-1852/. Publicado em: 30/11/2021. Acesso: [informar a data de acesso].

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