Manuela Sáenz frente aos conspiradores que queriam matar Simón Bolívar. Imagem retirada de LECUNA, Vicente. Cartas del Libertador: agosto de 1828 a junio de 1829. Tomo VII. Caracas: Lit y Tip de Comercio, 1929, p. 64.

Nota sobre o documento

O comentário da narrativa

Qualquer análise deve transcender, necessariamente, a esta narrativa de aparente simplicidade e singeleza. Equivocam aqueles que enveredarem pelo exame da superfície do texto. Tal raciocínio, conduz à reprodução de estereótipos e de preconceitos da história oficial, também legitimadora da desigualdade de gênero.

Manuela Sáenz revisitada

Após um longo período em que foi lembrada apenas como uma simples amante de Simón Bolívar, Manuela Sáenz está passando por uma profunda reavaliação em nossos dias. Os estudiosos querem saber quem foi realmente esta mulher e qual foi a sua importância nas guerras de independência da América espanhola.

Construção de uma revolucionária

Há que se examinar o contexto cultural, político e social em que ela viveu e atuou, bem como as razões que fizeram desta quitenha uma revolucionária. Além disso, considerar sua formação intelectual, suas leituras de autores latinos e gregos entre outros, seu conhecimento de táticas e estratégias militares, sua coragem e o seu compromisso com a liberdade.

Manuela Sáenz desempenhou importante papel na tática da espionagem e da propaganda pela independência. No front, comandou batalhões. Percebeu os graves problemas na construção da República da Grã-Colômbia; propôs soluções, posto que tinha conhecimento do que pensavam os generais colaboradores e opositores da República. Descobriu e desarticulou traições e atentados. Igual a Bolívar, doou recursos financeiros pessoais à causa revolucionária.

Retrato de Manuela Sáenz, autor desconhecido, sem data. Segundo especialistas, trata-se de um registro póstumo da revolucionária em razão do anacronismo verificado na representação da sua vestimenta. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em: 13/11/2021.

Manuela agia em rede

Manuela Sáenz não desempenhou uma ação isolada neste processo. Seus contatos foram muitos e de qualidade: generais portadores de interesses e de formações distintas, negociantes estrangeiros, membros da classe dominante colonial, posto que ela também integrava este segmento da sociedade.

Esteve também vinculada a um grande grupo de mulheres. Muitas aristocratas, algumas foram mortas pelos espanhóis. Todas profundamente patriotas, que participaram de múltiplas atividades, em várias fases daquele quadro revolucionário.

Identificam-se, entre outras, Manuela Cañizares, que oferecia a sua residência para as reuniões dos patriotas; Mariana Matheu y Ascásubi, conhecida escritora colombiana; María Ontaneda y Larrayn; Josefa Escarcha; Rosa Zárate; Maria de la Vega y Nates; Rosa Montúfar y Larrea; María de la Cruz Vieyra; Manuela Espejo, cujo irmão Eugenio foi também revolucionário; Rosa Campuzano; Josefa Tinajero y Checa; Antonia Salinas; Manuela Quiroga y Coello; Margarita Orozco.

É por estes caminhos que se pode compreender o lugar de destaque ocupado por Manuela Sáenz, num mundo preponderantemente masculino das lutas pela independência da Grã-Colômbia, onde as disputas políticas se faziam por meio de assassinatos, traições e atentados.

República da Grã-Colômbia

Recorda-se que a Grã-Colômbia – que abarcava os atuais Estados Nacionais da Colômbia, Panamá, Equador e Venezuela – foi uma república de curta duração, que teve o Libertador como um dos seus Presidentes. Existiu entre 1819 e 1830. Desintegrou-se logo após a morte de Bolívar, em meio a extrema violência político-militar.

Do que trata o documento

Descreve a atuação de Manuela Sáenz na noite de 25 de setembro de 1828, em que, num gesto de perspicácia e coragem, salvou, mais uma vez, a vida do Libertador, frustrando, assim, o atentado engendrado por seus adversários políticos.

Baile de máscaras, 10 de agosto de 1828

Neste dia, aconteceu em Bogotá uma festa que ficou conhecida como o Baile de Máscaras. Presentes algumas lideranças políticas da Grã-Colômbia. Os organizadores convidaram Bolívar; Manuela, não. Ela possuía informações que ali aconteceria um atentado à vida do Presidente.

Bolívar não declinou do convite e lá compareceu, a despeito da insistência de Manuela. A certa altura, ela se dirigiu ao local e foi impedida de entrar. Retorna um pouco mais tarde, caracterizada de mendiga e fez um alvoroço no local, gritando pelo Libertador.

Bolívar foi à porta e a reconheceu. Irritou-se e saiu da festa. Logo em seguida, tomou conhecimento do atentado e lhe pediu desculpas. Todavia, o relacionamento do casal estremeceu momentaneamente. Ela deixou a residência oficial e passou a se hospedar numa propriedade do General, nas proximidades do Palácio Presidencial de São Carlos.

O começo da longa noite de 25 de setembro

Num primeiro momento, Manuela recusou o chamado de Bolívar para ir ter com ele. Insistindo, comunicando-lhe que não se encontrava bem, ela deslocou-se até ao Palácio Presidencial que era, ao mesmo tempo, residência do governante.

Cerca de meia-noite, com febre, após sair do banho, foi tomado pelo sono. Em seguida, Manuela percebeu o alarme dado pelos cães do Presidente e ouviu ruídos de confrontos, sem o uso de armas de fogo.

Imediatamente, acordou o enfermo que logo se predispôs a abrir a porta, que isolava seus aposentos pessoais das outras dependências do palácio, para tomar conhecimento do que ocorria.

Contrariando a vontade do Presidente, o demoveu várias vezes, com veemência, da decisão de abrir a porta e pediu-lhe que se vestisse como rapidez. Ato contínuo, abriu a janela e recomendou-lhe a sair por ela, após verificar que a rua estava deserta naquele momento. Bolívar retirou-se.

Palácio Presidencial de San Carlos, Bogotá. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em: 13/11/2021.

Janela do Palácio de San Carlos, por onde Simón Bolívar escapou do atentado. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em: 13/11/2021.
O texto da placa fixada abaixo da janela foi escrito em latim por Miguel de Tobar. Tradução para o espanhol: “Detente espectador, un momento, y mira la vía de salvación del Padre y Libertador de la Patria, Simón Bolívar, en la noche nefanda de septiembre. Año de 1828”. Fonte: Fundación Empresas Polar. Acesso em 13/11/2021.

Invasão dos aposentos presidenciais

Os conspiradores arrombaram a porta. Procuraram Bolívar por todo aquele espaço. Forçaram Manuela a dizer onde se encontrava o Presidente. Respondeu-lhes com firmeza que havia saído para uma reunião, sem dizer o local.

Transtornados, indagaram-lhe sobre a janela aberta e ela disse que ouviu um barulho que lhe chamou a atenção e foi ver o que era. Inconformados, pediram-lhe explicações sobre a temperatura das roupas de cama, ela mencionou que estava ali deitada a espera de Bolívar.

Eles perceberam que o Libertador havia escapado. Ela foi torturada e arrastada pelos corredores do Palácio. Mas, permaneceu resoluta afirmando que o Presidente estava numa reunião e que não havia fugido. Os conspiradores abandonaram o local, deixando guardas para executar Bolívar, caso retornasse da mencionada reunião.

Manuela encontrou o ajudante de ordens de Bolívar ferido e prestou-lhe o socorro possível. Pela janela, viu o Coronel Ferguson se aproximar. Sem poder dar explicações, pediu que ele se retirasse, tentando impedir sua entrada no Palácio. O coronel disse-lhe que morreria cumprindo o seu dever. Em seguida, ouviu-se tiros. Ele foi executado pelos guardas dos conspiradores.

O desfecho

Bolívar passou algumas horas sob uma ponte experimentando circunstâncias climáticas desfavoráveis à sua saúde. Teve contato com o seu cozinheiro que por lá passava, ocasionalmente.

A madrugada chegava anunciando a alvorada de um novo dia. Os guardas se retiraram. Dentro em pouco, aproximaram de San Carlos os generais fiéis ao Libertador: Urdaneta, Herrán e mais alguns, perguntando pelo Presidente. Àquela altura, Manuela não sabia dizer onde ele se encontrava.

Sem muita demora, circundado por grupo enorme de correligionários e soldados, apareceu Bolívar a cavalo. Tendo Manuela ao seu lado, proclamou que ali estava a “Libertadora do Libertador”.

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A História de Manuela Sáenz. Longa-metragem dirigido por Diego Rísquez. Produção: Venezuela, 2000 (97 minutos). Com Beatriz Valdés e Juan Manuel Montesinos.

Autor: Prof. Dr. Dinair Andrade da Silva

O texto documental foi transcrito de TREND, J. B. Bolívar e a Independência da América Espanhola. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1965, p. 175-176.

Como citar este post: SILVA, Dinair Andrade da. Nota sobre o documento: Manuela Sáenz descreve atentado contra Bolívar, em 25 de setembro de 1828, em Bogotá. In: Histórias das Américas. Disponível em: https://historiasdasamericas.com/manuela-saenz-descreve-atentado-contra-bolivar-em-25-de-setembro-de-1828-em-bogota/. Publicado em: 16/11/2021. Acesso: [informar a data de acesso].

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