A Proclamação Real de 1763. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em 15/02/22.
Nota sobre o autor e o documento
Jorge III foi o autor formal do documento
Jorge III (1738-1820) foi o primeiro rei do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda. Ascendeu ao trono aos 22 anos, em decorrência da morte de Jorge II, seu avô.
Seu longo reinado (1760-1820) foi assinalado por diversos conflitos bélicos, especialmente com a França; uma sequência de disputas políticas com o Parlamento; e, seus transtornos mentais, inicialmente transitórios, que se tornaram permanentes na última década de sua vida.
A vitória sobre a França na Guerra dos Sete Anos – Guerra Franco-Indígena – (1756-1763), proporcionou a ampliação territorial do reino. Todavia, foi derrotado na Guerra de Independência dos Estados Unidos, perdendo parte de suas colônias no Novo Mundo.
A instabilidade política do reino, fruto dos acordos entre as potências vencedoras da Guerra dos Sete Anos, marcou os primeiros anos do reinado. À época, foi considerado pelos seus opositores como um autocrata.
Batalha do Forte Oswego, 1877, John Henry Walker . Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em 15/02/22.
Este evento caracteriza-se pela vitória francesa, afastando a ameaça da presença britânica na região do Lago Ontário.
Contextualizando o texto documental
Pelo Tratado de Paris de 1763, a França também cedeu ao Reino Unido grande parte do vale do Ohio e do Mississipi.
Os colonos americanos festejaram estas cessões dos franceses na expectativa de ampliarem a posse de suas terras.
Entretanto, houve forte reação de grupos indígenas – Algonquins, Delawares, Ottawas, Senecas e Shawnees – em face da maciça penetração de colonos na região.
O Forte Detroit foi sitiado em maio de 1763 pelos Ottawas. Demais grupos lutaram contra outras dependências militares no vale do Ohio. O movimento indígena foi comandado por Pontiac, líder dos Ottawas. À época, tombaram aos milhares, indígenas, soldados, comerciantes e colonos.
Este incidente motivou a emissão da Proclamação Real de outubro daquele ano, com o objetivo de evitar novas guerras e criar um clima de cooperação com os indígenas, para dificultar a formação de coligações e invasões dos territórios ingleses por outros povos europeus.
A rebelião ou guerra de Pontiac (1763-1764), decorrência das reivindicações indígenas, fez com que o governo britânico procurasse controlar as rivalidades entre as colônias e coibir os abusos contra os nativos.
Diante destas circunstâncias, o governo procurou tratar os problemas das nações originárias na sua totalidade. Em princípio, uma forma conveniente de abordar o problema a despeito de suas múltiplas facetas.
As tensões deste quadro colonial exigiram uma tomada de posição do governo britânico. Neste sentido, a Proclamação Real tentou desinflar os temores indígenas, estabelecendo uma organização dos territórios do Reino Unido na América – Quebec, Oeste e Leste da Flórida, Ilha de Granada – e a extensíssima reserva a Oeste dos Apalaches, Sul da Baía de Hudson e Norte da Flórida.
Pontiac e Robert Rogers, litografia de James Wimer publicada em 1841 em Events in Indian History. Fonte: Encyclopædia Britannica. Acesso em 15/02/22.
A imagem retrata Pontiac, e sua comitiva, se encontrando com o major Robert Rogers, e suas tropas.
O mencionado documento, a seu turno, emergindo de um contexto tão específico, estabeleceu o conceito de título de terras indígenas, até então não utilizado por nenhuma metrópole europeia no Continente Americano.
Repercussões da Proclamação Real nas Treze Colônias Inglesas
No mesmo ano em que se selou o fim da Guerra dos Sete Anos com o Tratado de Paz de Paris de 1763, foi editada a Proclamação Real, destinada a estabelecer os limites da expansão das colônias inglesas na América do Norte para o Oeste.
Os limites estabelecidos por esta Proclamação, num primeiro momento, não repercutiram negativamente para a maioria dos colonos.
Todavia, tornou-se impopular especificamente para os colonos que habitavam as Treze Colônias Inglesas da América, inaugurando assim um conflito entre eles e o governo do Reino Unido.
Os anos entre 1763 e 1766 foram tempos de crise no relacionamento das Treze Colônias com o governo britânico, com vários desdobramentos como as Leis do Selo e do Aquartelamento (1765).
Antes da Proclamação Real, os colonos americanos, pouco vinculados à Metrópole, estabeleceram sua autodefesa e faziam seus assentamentos onde desejassem. Após a Proclamação Real foram proibidos de se assentar a Oeste dos Apalaches. O texto régio determinou, ainda, a retirada de colonos do vale do Rio Ohio, conhecido amplamente por sua fertilidade.
Proclamação de 1763: linha de fronteira. Fonte: Encyclopædia Britannica. Acesso em 15/02/22.
O mapa mostra as Treze Colônias Americanas em 1775, com a linha divisória da Proclamação de 1763.
As autoridades coloniais foram impedidas de conceder mandados e vistoria ou quaisquer patentes em territórios, fora dos limites de suas administrações.
A despeito das disposições da Proclamação Real, Daniel Boone e outros continuaram com assentamentos a Oeste da cadeia montanhosa dos Apalaches, promovendo certamente tensões com os nativos e os franceses da Luisiana.
A interferência do Reino Unido sobre as Treze Colônias ocorreu a partir de 1763, posto que a despeito de sua vitória sobre a França, ele ficou profundamente endividado, com os gastos enormes de uma guerra prolongada. Daí a instituição de uma cascata de impostos.
Fortaleceu, entre os colonos americanos, um sentimento de que Jorge III tivesse o desejo de confiná-los na costa atlântica.
Com a Proclamação Real, pretendeu-se reduzir os custos de guerra entre colonos e indígenas pela disputa de territórios. Os colonos, portanto, somente por meio das instâncias governamentais pertinentes, poderiam negociar com os grupos originários a aquisição legal de terras.
A extinção da vigência da Proclamação Real para os Estados Unidos ocorreu com o Tratado de Paz de Paris de 1783, no final da Guerra de Independência, quando o Reino Unido reconheceu sua derrota e a consequente emancipação das Treze Colônias Inglesas na América do Norte.
Ideias contidas no texto documental
Antes de expor algumas ideias contidas neste documento, apresentamos, para melhor compreensão do tema, as seguintes balizas cronológicas: o Tratado de Paris foi assinado em 10 de fevereiro de 1763 e a Proclamação Real está datada de 7 de outubro do mesmo ano.
Numa espécie de preâmbulo, o monarca esclareceu que esta Proclamação se fez necessária em razão da nova realidade do império britânico – ampliação do comércio, manufaturas e navegação – surgida em decorrência do que foi acordado no Tratado de Paz de Paris de 1763.
O rei Jorge III enfatizou a participação do seu Conselho Privado na concepção e na produção do texto do documento. E a este Conselho Privado o monarca referiu-se várias vezes ao longo deste escrito.
Os territórios recém-incorporados em virtude do tratado foram divididos em quatro governos distintos e separados, assim denominados: Quebec, Leste da Flórida, Oeste da Flórida e Granada.
Em seguida, fez-se algumas considerações sobre cada um dos quatro governos no que se refere às suas linhas demarcatórias. Ao mencionar a ilha de Granada, inclui as ilhas menores que, por meio do Tratado de Paris, foram igualmente outorgadas ao Reino Unido.
O monarca deixou claro que em tempo oportuno seriam institucionalizados os novos governos da maneira e da forma usuais, com o objetivo de preservar a paz pública, o bem-estar e o bom governo.
O documento determinou aos governadores que concedessem terras, sem nenhuma taxa, aos que integraram os exércitos reais e a marinha real britânica no curso da guerra. As concessões deveriam ser solicitadas por aqueles que permanecessem nos territórios coloniais e concedidas na proporção das respectivas patentes, numa escala que ia de 5000 acres para cada Oficial de Campo a 50 acres para cada soldado.
Uma determinação significativa contida neste documento refere-se às Sociedades Originárias que habitavam os territórios coloniais. Com o objetivo de preservar o interesse régio e a segurança das colônias, estabeleceu-se que estes povos não deveriam ser molestados ou perturbados.
Neste caso, estabeleceu-se demarcações para salvaguardar os campos de caça, além de proibir qualquer tipo de transação – compra ou acordo – particular, entre colonos e chefes de comunidades indígenas, visando a aquisição de terras, cabendo exclusivamente ao Estado o controle de tais atividades.
Ainda nesta linha de raciocínio, o documento estabeleceu, com veemência, que os colonos assentados em territórios indígenas demarcados pela Proclamação, deveriam se retirar imediatamente deles.
Proclamação de 1763. Fonte: Encyclopædia Britannica. Acesso em 15/02/22.
Trata-se de um mapa das colônias britânicas da América do Norte após a Proclamação de 1763, que pretendia limitar a invasão de colonos mais a oeste.
A importância deste documento
Pode-se afirmar que a Proclamação Real estabeleceu os limites ou as fronteiras entre o território do império britânico e o território das reconhecidas Primeiras Nações, ao Oeste da cadeia dos Apalaches.
De alguma forma, regulamentou relações comerciais entre colonos e nativos. Ademais, o texto esclareceu aos colonos suas possibilidades e limitações no trato para com as Sociedades Originárias.
Tais limitações geraram um foco de tensões entre os colonos ingleses que habitavam os treze núcleos coloniais originários e o império britânico, podendo ser considerado como um dos elementos que levou à Guerra de Independência dos Estados Unidos.
Registra-se, no entanto, uma distância considerável entre as prescrições e determinações da Proclamação Real – e seus desdobramentos documentais posteriores – e o cotidiano das relações entre os colonos Ingleses e os Povos Originários.
A despeito de sua vigência temporária, a Proclamação Real marcou, em razão dos seus princípios, a sua atualidade nas relações entre os canadenses e as Sociedades Originárias.
Para o Canadá, a Proclamação Real estabeleceu as bases da governança nos territórios cedidos ao Reino Unido pelo Tratado de Paz de 1763.
Este foi o primeiro ordenamento de caráter jurídico-administrativo dos territórios anexados ao Reino Unido pelo Tratado de Paz de Paris de 1763. Tornou-se o primeiro instrumento legal de britanização do território francês anexado.
A Proclamação Real fundamentou a legislação indígena, tanto no Canadá quanto nas Treze Colônias, além de servir como modelo para a celebração de muitos tratados entre o governo britânico no Canadá e Povos Originários.
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Autor: Prof. Dr. Dinair Andrade da Silva
O texto documental foi transcrito de BRIGHAM, Clarence S. (ed.). British Royal Proclamations Relating to America, vol. 12, Transactions and Collections of the American Antiquarian Society (Worcester, Massachusetts: American Antiquarian Society, 1911, p. 212 – 218), que reproduz o texto original da Proclamação, publicada por King’s Printer, Mark Baskett, London, 1763. In: https://exhibits.library.utoronto.ca/items/show/2470. Acesso 15.02.22.
Como citar este post: SILVA, Dinair Andrade da. Nota sobre o documento: Proclamação Real de 1763. In: Histórias das Américas. Disponível em: https://historiasdasamericas.com/proclamacao-real-de-1763/. Publicado em: 27/04/2022. Acesso: [informar a data de acesso].
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