Soou a sirene… As aulas vão começar! Lembrança 8

Até breve, a aula terminou

Verano, o la cosecha, Francisco de Goya, 1786. Fonte: Wikiart. Acesso em: 27/07/2021.

Uma pausa para aperfeiçoamento

A sirene soou pela última vez. E emudeceu por muito tempo. Era a manhã do dia 8 ou 9 de setembro de 1971. Saí da sala de aula.

Estes meus primeiros encontros com a docência foram interrompidos em setembro de 1971, quando, contemplado com uma bolsa de estudos proporcionada pelo Instituto de Cultura Hispânica, parti para a Espanha com o propósito de realizar estudos avançados em História da América.

Preparativos em cima da hora

A primeira metade do mês de setembro foi para mim, particularmente, angustiante e tensa. Quando recebi a notícia que havia sido contemplado com a bolsa de estudos, já estava muito próximo o dia em que eu deveria me apresentar na sede do Instituto de Cultura Hispânica em Madri. Foi uma correria que parecia não ter fim.

Formalizar a minha demissão junto ao Colégio de Aplicação e junto à Faculdade de Filosofia. Organizar meus pertences. E muitas outras coisas; algumas maiores, outras menores.

El Manicomio, Francisco de Goya, 1812-1814. Fonte: Wikiart. Acesso em: 27/07/2021.

De Goiânia ao Rio

Saí de Goiânia no dia 16 de setembro, numa quinta-feira; e, em Brasília, embarquei no mesmo dia para o Rio de Janeiro. No Rio, comprei os poucos dólares que levei. À época, em Goiânia e em Brasília não se fazia compra de moeda estrangeira.

O Ministério das Relações Exteriores estava em fase de transferência para Brasília. O corpo diplomático permanecia sediado na antiga capital. Como poderia ocorrer algum imprevisto na compra dos dólares, preferi destinar um tempo maior na cidade. Por esta razão, pernoitei no Rio.

Rumo a Madri…

Parti exaurido, na noite de sexta-feira. Estava muito cansado. Foi muito pouco tempo para organizar muitas coisas… Enquanto o jato da Varig que me levava ganhava altitude, via as luzes do Rio perdendo o brilho, desaparecendo. Em seguida, a densa escuridão deixava o lado de fora espesso e sem cor.

Em pouco tempo, o avião atingiu a altitude de cruzeiro. Estabilizou-se. O uso do sinto de segurança foi liberado. A permissão para fumar foi dada.

No interior da aeronave, ouvia-se o vozerio e o barulho das pessoas que iam-se acomodando, buscando o aconchego possível nos seus assentos. Ouviam-se também os passos apressados das aeromoças e dos comissários de bordo pelos corredores; e o tilintar nervoso de talheres, copos e garrafas. Hora do jantar… Estava com muita fome. Jantei.

Alegoría de la Ciudad de Madrid, Francisco de Goya, 1810. Fonte: Wikiart. Acesso em: 27/07/2021.

Recolheram-se rapidamente todo o material do serviço de jantar. Aos poucos, apenas o contínuo ruído das turbinas era ouvido. Do lado de fora, não se via nada. Escuridão total. Ausência de luz. Do lado de dentro, alguns já dormiam; e a maioria, esperava o sono chegar.

Do meu lado de dentro, meu cérebro não diminuiu a intensidade de trabalho. Meus últimos dias em Goiânia eram revisitados permanentemente. Como um vídeo, assistido diversas vezes seguidas. Experimentava um sentimento estranho de oposição e incerteza: alegria-tristeza, força-fraqueza, entusiasmo-desânimo. Exaustão profunda!

No dia seguinte ao da partida, ou seja, no sábado, dia 18, o avião pousou no aeroporto internacional de Barajas, na capital espanhola, em torno do meio-dia. Sol a pino. Sol no ponto mais alto do céu. Calor enorme.

Eu de terno (como me recomendaram que eu deveria viajar para o exterior). Carregava uma mala grande, uma mala pequena, uma pasta com documentos e uma sacola.

Daí em diante…

A partir de então, teve início uma densa e proveitosa sequência de feitos e ações memoráveis, que deverei colocar no papel, em tempo oportuno.

Enfim

1968-1971. Reitero que foram realmente tempos de turbulências políticas, sociais e pessoais. Estes foram também tempos de resistência e de confiança, na vida de um jovem professor de História.

Se 1968 as circunstâncias sinalizavam para um quadro de reduzidas possibilidades; em 1971, os acontecimentos prenunciavam uma trajetória docente abundantemente alegre, prazerosa e promissora, a despeito de tantos tropeços e de tantas angústias.

La cometa, Francisco de Goya, 1777-1778. Fonte: Wikiart. Acesso em: 27/07/2021.

Um acréscimo que complementa

Acrescento por último, a minha participação em um concurso público para preenchimento de uma vaga na cadeira de História, da Escola Técnica Federal de Goiás, em Goiânia, no ano de 1970.

O surgimento da vaga ocorreu em razão do pedido de exoneração de uma ex-professora minha, que obteve o regime de trabalho, em dedicação exclusiva, junto ao Departamento de História da Universidade Federal de Goiás.

Como ainda cursava o último ano do meu curso de graduação, cumpri as formalidades pertinentes junto a Inspetoria Seccional de Goiânia, do Ministério da Educação e Cultura, e obtive a respectiva autorização para lecionar, caso lograsse aprovação. Fui aprovado, sim. Mas, lamentavelmente ou não, não foi em primeiro lugar…

Autorização da Inspetoria Seccional de Goiânia, do MEC, nº 342, de 18.02.1970, para lecionar História no 1º Ciclo. Goiânia 18 de fevereiro de 1970. Fonte: arquivo pessoal.

Declaração da Escola Técnica Federal de Goiás, mencionando a minha participação no Concurso Público e o total de pontos que obtive. Goiânia, 23 de março de 1970. Fonte: arquivo pessoal.

As imagens artísticas utilizadas para ilustrar este post foram produzidas por Francisco de Goya, uma das maiores expressões da pintura espanhola. Nasceu em Zaragoza em 1746 e faleceu em Bordeaux, em 1828. Retratou a corte, os massacres perpetrados pelas tropas francesas quando da ocupação napoleônica da Espanha, os fantasmas do mundo e do interior do homem.

Este é o oitavo e último post de uma série de registros de minhas lembranças dos meus primeiros encontros com a docência que ocorreram entre os anos de 1968 e 1971, em Goiânia.