Foto do tempo em que Mario Hernández Sánchez-Barba foi meu professor, na Universidade de Madri. Fonte: imagem retirada de SÁNCHEZ-BARBA, Mario Hernández. La conciencia histórica en la novela y el libro hispanoamericanos. Madrid: Gremio Madrileño de Comerciantes de Libros Usados, 1991, p. 2.

Um encontro que marcou a minha formação em História da América

Recém-chegado ao Departamento de História da América, da Faculdade de Filosofia e Letras, da Universidade de Madri, me aproximei dos alunos veteranos, espanhóis e hispano-americanos. Era a fase de busca por orientadores e escolha de disciplinas a serem cursadas.

Os estudantes, conversando entre si sobre os distintos professores do Departamento, emitiam suas opiniões sobre cada um, sob a forma de interessantes esboços dos seus perfis intelectuais.

Após duas semanas de contato com os estudantes, percebi a diversidade das concepções de História de cada professor. A tônica inovadora de se pensar e construir uma nova História da América recaía sempre em um mesmo professor.

Ao mesmo tempo, ouvi dos alunos duas menções recorrentes sobre este professor. De um lado, a de um professor excessivamente rigoroso, formal e exigente; de outro, a de que ele era muito cauteloso ao decidir sobre a admissão do estudante como seu orientando.

Não tive dívidas. Fui ao gabinete do professor para conhecê-lo e marcar uma entrevista. Era o final da primeira quinzena do mês de outubro de 1971. A conversa se estendeu, superando todas as minhas expectativas. Ainda que não esperasse, sai de lá com a lista dos professores que eu deveria procurar para matricular-me nos seus respectivos cursos.

Mario Hernández Sánchez-Barba

A graduação em Filosofia e Letras (Seção de História) foi obtida na Universidade de Valência, com destacadas qualificações.

O doutoramento foi realizado na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Madri. Por sua tese intitulada “Dinâmica histórico-política da província de Sonora na segunda metade do século XVIII”, obteve a qualificação máxima, seguida de “Prêmio Extraordinário”.

Finalizados seus estudos de doutoramento, deslocou-se para Barcelona com o objetivo de aprofundar-se na área de sua especialização, com o eminente historiador Jaime Vicens Vives.

Em seguida, rumou-se a Paris agregando-se à École Practique des Hautes Études, juntando-se à equipe do historiador Fernand Braudel, com quem teve especial atuação.

Após algum tempo, retornou à Espanha desenvolvendo, na Universidade de Madri, toda a sua atividade docente e de investigação.

Professor rigoroso, formal e exigente

Além do curso monográfico sobre “Métodos Sociológicos em História da América”, fiz também a disciplina “História Contemporânea da América”. No mês de fevereiro de 1972, aproximando a data da primeira prova, procurei particularmente o professor.

Preocupado com a minha competência técnica de então na escrita da língua espanhola – ainda que boa parte do tempo me dedicasse ao seu estudo – e sabedor do seu rigor com a pureza do idioma, indaguei-lhe sobre a possibilidade de redigir a prova na língua portuguesa.

Encorajei-me a fazer tal pedido, pois sabia do domínio que o professor possuía da língua portuguesa. Sánchez-Barba imediatamente negou a minha solicitação. Respondeu-me, em correto português, de forma veemente: “O senhor não acha que esta será uma excelente oportunidade de praticar a língua castelhana?”

Um professor e historiador profícuo e fecundo

Começou sua carreira docente como professor ajudante de aulas práticas e a concluiu como Catedrático Emérito de Universidade, categoria mais elevada da carreira docente universitária. Obteve, por meio de concurso público, toda a sua ascensão funcional de acordo com as leis de seu país.

Orientou mais de uma centena de teses de doutoramento. Sua produção intelectual é densa. Escreveu cerca de três dezenas de livros e duas dezenas de capítulos de livros. Produziu em torno de cem artigos científicos, publicados em periódicos espanhóis e em destacados periódicos estrangeiros.

Sánchez-Barba desenvolveu mais de trinta atividades intelectuais extrauniversitárias de grande interesse. Proferiu inúmeras conferências em diversas universidades da Europa e do Novo Mundo. Como ilustração, menciono que, no quadro das Comemorações do Quinto Centenário do Descobrimento da América, pronunciou uma conferência no Auditório da Reitoria da Universidade de Brasília, no dia 26 de abril de 1991.

Recebeu uma dezena de prêmios e condecorações pelo seu trabalho, ao longo de sua atuação profissional e intelectual.

Um reencontro em Brasília

Na oportunidade em que proferiu a sua conferência em Brasília, em abril de 1991, nos reencontramos. Entre os reencontros com o Professor Sánchez-Barba, este ficou guardado entre as minhas lembranças.

Nesta ocasião, entre longas conversas sobre pesquisas que ele e eu desenvolvíamos, autografou a sua clássica Historia de América, em 3 volumes, produzida pela Editorial Alhambra.

Historia de América, escrita em 3 volumes por Mario Hernández Sánchez-Barba. Fonte: arquivo pessoal.

Dedicatória por Mario Hernández Sánchez-Barba. Fonte: arquivo pessoal.

Tributo da mais alta consideração

Este quadro, feito em 2016, fixado em local de destaque no meu escritório, é a materialização do meu sentimento de grande afeição e de profundo respeito intelectual e humano por este paladino da renovação dos estudos de História da América.

Pesquisador rigoroso e meticuloso, possuidor de uma linguagem, tanto escrita quanto verbal, viva e expressiva, foi um professor atento ao desenvolvimento intelectual dos seus estudantes. Acreditava na capacidade de trabalho do aluno, a quem sempre provocava e desafiava.

Professor de pulso forte e firme. Sua franqueza se aproximava da rispidez, sem perder, no entanto, a delicadeza, o afeto e o estímulo.

Como citar este post: SILVA, Dinair Andrade da. Lembranças de um antigo mestre. In: Histórias das Américas. Disponível em: https://historiasdasamericas.com/lembrancas-de-um-antigo-mestre/. Publicado em: 14/09/2021. Acesso: [informar a data de acesso].