Expulsão dos judeus da Espanha (ano de 1492), pintado por Emilio Sala em 1889. Fonte: Wikimedia Commons.
Acesso em: 22/01/2021.

A teoria da arte e a história: o ponto de vista de José Luís Díez

Expulsão dos judeus da Espanha (ano de 1492), pintado por Emilio Sala em 1889, é de significativa expressividade, causando considerável impacto pela sua modernidade plástica e riqueza decorativa.

O quadro contempla uma cena da inquisição espanhola no contexto do Decreto de Alhambra, também conhecido como Édito de Expulsão, assinado pelos Reis Católicos em 31 de março de 1492.

Este decreto régio estabelecia que os judeus residentes deveriam deixar as terras espanholas, dentro de um curto período, sob pena de morte. Aqueles judeus que se convertessem ao cristianismo e que, de fato, renunciassem à sua antiga fé poderiam permanecer em território espanhol.

No catálogo da exposição El siglo XIX en el Prado, José Luís Díez, Doutor em História da Arte pela Universidad Complutense de Madrid, faz uma análise pertinente e interessante sobre a referida obra, seu contexto e seu significado.

Dentre os vários elementos relevantes que compõem a cena, destaca-se a figura do inquisidor. Díez faz uma análise tão clara e eloquente deste personagem que quase nos remete àquele momento tenebroso da história da Espanha.

O pintor fixou o momento trágico em que Tomás de Torquemada (1420-1498), frade dominicano, de ascendência judaica, interrompe bruscamente a audiência concedida pelos Reis Católicos ao embaixador judeu, lançando com veemência um crucifixo sobre a mesa que está no meio da sala.

De dedo em riste, o inquisidor geral desafia o casal régio assentado ao fundo. Aterrorizado, Fernando ouve a intervenção impetuosa e descabida. Impassível, Isabel permanece com olhos baixos, sinal do seu caráter superior.

O judeu recua, diante daquele quadro de tensão extrema. Os membros da corte reagem, cada qual, a seu modo: curiosidade, indiferença e surpresa. O escrevente continua atento ao que acontece.

Destaca-se tanto a figura inferiorizada do judeu, colocada de costas para o observador, como um réu desprovido de defesa e não como o interlocutor da audiência régia; quanto a figura de Torquemada, exacerbado, atrevido, inconveniente e de costas para os Reis.

As ações de fanatismo e crueldade de Torquemada, também chamado de O Grande Inquisidor, estão inseridas no contexto do processo de centralização política espanhola pela religião católica.

No âmbito da história da pintura espanhola, o quadro é significativo por constituir um dos exemplos mais tardios do gênero (pintura histórica). O assunto não deixa de ser uma denúncia de um dos acontecimentos mais obscuros, ocorridos num momento considerado como dos mais grandiosos e celebrados da história espanhola.

O pintor que também conhecia história

O pintor espanhol Emilio Sala Francés nasceu em Alcoy, na província de Alicante, em 20 de janeiro de 1850 e faleceu em Madri, no dia 14 de abril de 1910.

Efetuou seus estudos em Valência, na Academia Real de Belas Artes de São Carlos, com seu primo e tutor Plácido Francés.

Emilio Sala, reconhecido internacionalmente, destacou-se na Academia Espanhola de Belas Artes de Roma. Conviveu com Francisco Pradilla Ortiz (La rendición de Granada), Ricardo Federico de Madrazo y Garreta (Los memorialistas), José Moreno Carbonero (Gladiadores después del combate) e Joaquín Sorolla y Bastida (pintou o retrato do poeta Juan Ramón Jiménez Mantecón).

Passado algum tempo, transferiu sua bolsa de estudos de Roma e fixou-se em Paris.

Participou pela primeira vez da Exposição Nacional de Belas Artes em 1871.

Distanciou-se da pintura histórica por volta de 1890, passando a se dedicar às representações da vida cotidiana, do mundo do trabalho, dos espaços domésticos, das paisagens e da ilustração.

Tornou-se catedrático de Teoría y Estética del Color, da Academia de Bellas Artes de San Fernando, em Madri, no ano de 1906, onde atuou até a sua morte.

Além de suas atividades docentes, produziu em seu ateliê e participou de decoração e restauração de palácios, como os de Anglada, então localizado no Paseo de la Castellana, hoje desaparecido, e de Mazarredo, em Bilbao.

Entre as suas obras, podemos incluir Retrato de António Cortinas Farinós, Retrato de Doña Ana Colín y Perinat, Retrato de joven, Retrato de un personaje masculino desconocido, Retrato de Clara Campoamor. Ademais dos retratos, La manzanilla, Valle de lágrimas, Sinfonía en blanco, Jugadoras etc.

Entre as muitas honrarias recebidas, destacamos que foi agraciado com a de Caballero Gran Cruz de la Orden de Isabel la Católica, na Exposição Universal de 1899; Medalha de Ouro da Exposição de Berlim de 1891, pela obra Expulsión de los judíos de España (año de 1492).

Os judeus faziam pulsar o coração da monarquia

Por longos períodos da Idade Média, a comunidade judaica, tanto em Castela quanto em Aragão, desempenhou papel relevante no âmbito da cultura e da economia. A tolerância estava também associada à sua imprescindibilidade.

Contudo, em meados do século XIV, nos difíceis anos da pandemia da peste bubônica, a situação dos judeus começa a se tornar instável. O fato se deu em decorrência do ódio popular alimentado por um segmento do baixo clero, ensejando motins em Aragão, Catalunha e Castela em 1391.

A despeito e em razão das conversões de parte dos judeus ao cristianismo, vai sendo construído um sentimento antissemítico que alastra por toda a parte, estimulado pelos antagonismos sociais.

Na verdade, judeus convertidos e não convertidos estão presentes nos altos escalões da corte e nas altas hierarquias eclesiásticas; nas esferas superiores da economia e nos sofisticados meios culturais.

Em 1478, a pedido dos Reis Católicos, a Cúria Romana autorizou a instalação em Castela do Consejo de la Suprema y General Inquisición, subordinado aos monarcas espanhóis. Mais tarde, em 1487, Fernando conseguiu que a instituição fosse instalada também na Catalunha e em Aragão.

O objetivo, em princípio, era manter o controle sobre os cristãos-novos. Assombrados, entre 600 e 3 mil (as cifras são pouco seguras) convertidos deixam os territórios de Fernando, com as riquezas que podem levar.

Naturalmente, a inquisição tornou-se a única instituição, além da monarquia, comum a todos os habitantes; e, posicionou-se, de certa forma, como um organismo unificador.

Fernando, que possuía uma ascendência judaica, como muitos convertidos, era um católico extremado, pio devoto da Virgem Maria.

Claro está que a importância e o significado da inquisição muito transcendiam ao âmbito religioso. O ano de 1492 marcou o fim da guerra santa contra o mouro infiel. Este era, então, o momento de pensar em outro infiel: o judeu e o criptojudeu, encobertos nas entranhas do corpo político da monarquia, difundindo doutrinas estranhas por toda a geografia do reino.

A guerra pela conquista de Granada, mesmo com a volumosa contribuição financeira judaica, promoveu o esgotamento dos recursos do tesouro. Ainda assim, a expulsão dos judeus, não deixou de ser uma celebração do triunfo sobre os muçulmanos.

Além dos éditos locais de expulsão, como o de Sevilha em 1483, em 30 de março de 1492, em Granada, a menos de três meses da rendição moura, a três semanas da assinatura das Capitulações de Santa Fé, os Reis Católicos assinaram o Édito de Expulsão, culminação lógica da política iniciada com a implantação da inquisição em Castela.

A despeito da imprecisão das cifras, acredita-se que a comunidade judaica no início do reinado era de 200.000 pessoas. 150.000 viviam em Castela. Após a publicação do Édito de Expulsão saíram entre 120.000 a 150.000 judeus e convertidos. Muitos deles ocupavam posições importantes na política, na administração e nas finanças da monarquia.

Abandona a Espanha uma comunidade dinâmica cujo capital e habilidade muito contribuiu para o enriquecimento de Castela. Foi substituída por flamengos, alemães e genoveses que exploraram sobremaneira o reino.

Conclui-se que a expulsão enfraqueceu a base econômica espanhola exatamente no início do avanço imperial. A Espanha da União Dinástica, agraria e tradicional, preocupou-se fundamentalmente com a religião e política. Não se levou em conta que as consequências das ações nas esferas religiosa e política afetariam diretamente a economia. Pagou caro por suas escolhas.

Autor: Prof. Dr. Dinair Andrade da Silva

Elaborado com base em: DÍEZ, José Luís. El Siglo XIX em el Prado. Madrid: Museo Nacional del Prado, 2007, p. 272-275; ELLIOTT, J. H. La España imperial, 1469-1716. Barcelona: Editorial Vicens-Vives, 1973, p. 109-114.

Como citar este post: SILVA, Dinair Andrade da. A expulsão dos judeus da Espanha. In: Histórias das Américas. Disponível em: https://historiasdasamericas.com/a-expulsao-dos-judeus-da-espanha/. Publicado em: 02/03/2021. Acesso: [informar a data de acesso].