Colégio José de Alencar – 1968

Quietus est 2, Ana Maria Pacheco, 1994.
Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Acesso em: 15/06/2021.

Pelo mundo

No ano de 1968, o mundo e os homens estavam de cabeça para baixo. Foi um tempo de efervescência revolucionária nos países capitalistas e nos países socialistas. Um marco. Daí em diante, nada foi como antes. Nada.

Os crimes hediondos praticados pelo exército norte-americano na Guerra do Vietnã, destruindo vilas e matando a população civil indiscriminadamente, estarreceram a opinião pública estadunidense e mundial.

No dia 4 de abril daquele ano, Luther King, ativista negro dos direitos civis, foi assassinado em Memphis, no Tennessee, multiplicando geometricamente os conflitos raciais pelo território dos Estados Unidos.

Manifestações estudantis eclodiram por toda a Europa, exigindo transformações profundas nos respectivos Estados. Na França e na Tchecoslováquia o poder do Estado foi ameaçado. O General De Gaulle, intensificou a repressão sobre as “Barricadas de Paris” E o fim da “Primavera de Praga” ocorreu com a invasão do país pelas forças soviéticas do Pacto de Varsóvia.

Inconformados, os estudantes exigiam um outro mundo, mais humano e mais justo. Conseguiram alguns ganhos significativos. A política norte-americana com relação ao Vietnã foi modificada e os Estados Unidos consolidaram alguns direitos exigidos pelo movimento negro.

Da América ao Brasil

Com o objetivo de aniquilar movimentos comunistas, os Estados Unidos continuaram apoiando ditaduras na América Latina. Em 1968, o General Velasco Alvarado tomou o poder no Peru. E, por incrível que pareça, foi a primeira ditadura do subcontinente a promover uma reforma agrária.

As turbulências de 1968 se fizeram presentes também no Brasil. Por aqui, iniciavam-se os “Anos de Chumbo” do governo militar. Tempos amargos da ditadura sob o grande guarda-chuva da Guerra Fria. Arbítrio e medo. Tortura e dor. Pena de morte e prisão perpétua. Desaparecimentos e aplausos das Igrejas: (católica e reformadas).

No comando do Estado brasileiro, o Marechal Costa e Silva. Na intensificação da linha dura, continuou a editar Atos Institucionais, para ampliar os poderes do Executivo. O fatídico AI-5 (13.12.68) foi promulgado em decorrência da crise internacional de então, das crescentes e múltiplas manifestações contra o regime militar.

Memória Roubada, Ana Maria Pacheco, 2001. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Acesso em: 15/06/2021.

The Dark Night of the Soul, Ana Maria Pacheco, 1994. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Acesso em: 15/06/2021.

De Goiás a Goiânia

Goiás, o Estado onde eu vivia, era governado por Otávio Lage de Siqueira, político udenista, eleito democraticamente. Com o fim do pluripartidarismo, se filiou à Aliança Renovadora Nacional (ARENA).

Enquanto o mundo da política girava, com suas marchas e contramarchas, uma expressiva parcela da sociedade goiana rezava. A Festa do Divino Pai Eterno, em Trindade, nas cercanias de Goiânia, revelava a forte expressão do catolicismo popular.

A cidade de Goiânia estava sendo administrada pelo jovem Iris Rezende, filiado ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), eleito democraticamente. Destacava-se pela realização dos propalados mutirões, para a construção de moradias populares.

Em 1968, eu era um funcionário atabalhoado do escritório de uma firma de autopeças e, simultaneamente, fazia o segundo ano do Curso de História, na Universidade Católica de Goiás.

Um pequeno colégio de um bairro periférico

Colégio José de Alencar. Pouquíssimas lembranças guardo do colégio, da sua direção, da sala de aula e dos alunos. Era um estabelecimento pequeno, localizado na periferia de Goiânia. Talvez no bairro de Campinas. Colégio particular, cujo proprietário e diretor era um homem aparentemente simples e de boa índole.

Não me lembro do seu nome. Parecia ser de meia idade, moreno e de estatura mediana. Meu trabalho era no turno noturno. A sala onde ministrava as aulas era pequena. Quadro negro. Giz branco de cal. As carteiras eram de madeira e ferro, onde se assentavam os alunos em duplas. Recordo-me que eram poucos alunos na sala de aula.

A burocracia educacional

A permissão para que o estabelecimento de ensino pudesse contratar professor a título precário; ou seja, antes da conclusão de sua formação universitária, era dada exclusivamente pelo Ministério da Educação e Cultura. A burocracia era grande.

Formalidade sem sentido. Senão vejamos. Fazia-se um processo de acordo com os artigos 5º e 6º da Portaria Ministerial nº 142, de 27 de maio de 1965. A documentação solicitada era endereçada ao Inspetor Seccional do Ensino Secundário em Goiânia.

A peça inicial do processo era a declaração da instituição de que necessitava contratar aquele professor, para lecionar tal ou tais disciplinas, e em tal ou tais ciclos. Em seguida, a documentação pessoal e acadêmica do interessado era juntada.

Em 26 de agosto de 1968, recebi a autorização nº 3036, do Ministério da Educação e Cultura, por intermédio do Inspetor Seccional do Ensino Secundário em Goiânia, Clovis Figueiredo, para lecionar História no Colégio José de Alencar, no 1º ciclo, a título precário, nos termos do Decreto nº 53.582/64, no corrente ano de 1968.

Não possuo nenhum documento emitido pelo colégio, que mencione a minha permanência ali. Nenhum registro trabalhista. Nenhuma carteira assinada. No entanto, acredito que tenha trabalhado lá até o final do ano letivo.

Autorização nº 3036, do Ministério da Educação e Cultura, de 26 de agosto de 1968, para lecionar História no Colégio José de Alencar, no corrente ano. Fonte: arquivo pessoal.

As imagens artísticas utilizadas para ilustrar este post foram produzidas por Ana Maria Pacheco, escultora, pintora e gravurista nascida em Goiânia, GO, em 1943. Reside na Inglaterra desde 1973.

Este é o segundo post de uma série de registros de minhas lembranças dos meus primeiros encontros com a docência que ocorreram entre os anos de 1968 e 1971, em Goiânia.

Como citar este post: SILVA, Dinair Andrade da. Soou a sirene… As aulas vão começar! Lembrança 2 – Colégio José de Alencar – 1968. In: Histórias das Américas. Disponível em: https://historiasdasamericas.com/soou-a-sirene-as-aulas-vao-comecar-lembranca-2/. Publicado em: 15/06/2021. Acesso: [informar a data de acesso].