A consagração de templos pagãos e a primeira missa no México, obra de
José Vivar y Valderrama feita por volta de 1752. Fonte: Wikimedia Commons.
Acesso em: 23/08/2021.

As sociedades que viveram no Novo Mundo antes da chegada de Cristóvão Colombo não foram vistas de forma unânime pelos juristas e teólogos espanhóis do século XVI. Havia entre eles diferentes juízos sobre os povos que os espanhóis encontraram na América.

Neste sentido, propõe-se um roteiro para o estudo de fragmentos de escritos de Las Casas, Sepúlveda e Vitoria.

Escrito de Bartolomé de Las Casas:

De todos esses exemplos antigos e modernos ressalta claramente que não existem nações no mundo, por mais rudes, incultas, selvagens e bárbaras, grosseiras ou cruéis e quase animalescas que sejam, que não possam ser persuadidas, conduzidas e encaminhadas à ordem e à civilização e tornarem-se polidas, calmas e de bom trato, se se usar de habilidade e de aptidão e se se seguir a via que é própria dos homens, que dizer, particularmente a do amor, doçura e da alegria e se se procura apenas esse fim. A razão está no fato (que Tullius expõe no livro I De Legibus) de que todas as nações do mundo são compostas de homens, e que para todos os homens, assim como para cada um deles, existe uma única definição possível, é que eles são racionais: todos têm o seu intelecto, a sua vontade e o seu livre arbítrio, pois que são feitos à imagem e semelhança de Deus. […] Assim, toda a raça dos homens é uma, e todos os homens no que respeita à sua criação e às coisas naturais são semelhantes e nenhum nasce instruído; e assim todos nós temos necessidade, de início, de ser guiados e ajudados por outros que nasceram antes de nós. De tal modo que, quando encontramos no mundo populações selvagens, elas são como a terra inculta, que produz facilmente ervas daninhas e espinheiros, mas tem em si tanta virtude natural que, trabalhando-a e cuidando-a, ela dá frutos comestíveis, sãos e úteis. […] Segue-se necessariamente de tudo isso que é impossível, totalmente impossível, que toda uma nação seja inteiramente incapaz, ou dum juízo tão insuficiente ou bárbaro e duma racionalidade tão insuficiente que não saiba governar-se e que não possa ser induzida, atraída para qualquer boa doutrina moral, e em particular instruída nas coisas da fé e imbuída da religião cristã.

LAS CASAS, Bartolomé de. Historia de las Indias. 3 v., Madrid: BAE., 1957.

Escrito de Juan Ginés de Sepulveda:

É por isso que as feras são domadas e assujeitadas ao império do homem. Por essa razão, o homem manda na mulher, o adulto na criança, o pai no filho: quer dizer que os mais poderosos e perfeitos levam a melhor sobre os mais fracos e imperfeitos. Esta mesma situação se verifica entre os homens; pois que há uns que por sua natureza são senhores e outros que por sua natureza são servos. Aqueles que ultrapassam os outros pela prudência e pela razão, ainda que não levem a melhor pela força física, esses são, por sua própria natureza, os senhores; em contrapartida, os preguiçosos, os espíritos lentos, ainda que tenham as forças físicas para realizar todas as tarefas necessárias, são por natureza servos. E é justo e útil que eles sejam servos, e vemo-lo sancionado pela própria lei divina. Pois que está escrito no livro dos provérbios: “O tolo servirá o sábio.” Assim são as nações bárbaras e inumanas, estranhas à vida civil e aos costumes pacíficos. E será sempre justo e conforme com o direito natural que essas pessoas estejam submetidas ao império de príncipes e de nações mais cultivadas e humanas, de forma que, graças à virtude destas e à prudência das suas leis, abandonem a barbárie e se conformem com uma vida mais humana e o culto da virtude. E se recusam esse império, pode ser-lhes imposto por meio das armas e essa guerra será justa tal como o declara o direito natural. […] Em conclusão: é justo, normal e conforme com a lei natural que os homens probos, virtuosos e humanos dominem todos aqueles que não têm essas virtudes.

SEPÚLVEDA, Juan Ginés de. Tratado sobre las justas causas de la guerra contra los indios. México: Fondo de Cultura Económica, 1941.

Escrito de Francisco de Vitoria:

[De tudo quanto precede, resulta, pois, sem qualquer dúvida, que] os bárbaros tinham, tal como os cristãos, um poder verdadeiro tanto público como privado. Nem os príncipes nem os cidadãos puderam ser desprovidos de seus bens sob pretexto de que não tinham nenhum verdadeiro poder. Seria inadmissível recusar àqueles que nunca cometeram qualquer injustiça aquilo que reconhecemos aos sarracenos e aos judeus, esses inimigos perpétuos da religião cristã. Nós reconhecemos, com efeito, a estes últimos um poder verdadeiro sobre os seus bens, salvo quando eles se apoderaram de territórios cristãos.

Resta responder ao argumento contrário, segundo o qual os bárbaros são escravos por natureza, sob pretexto de que eles não são bastante inteligentes para se governarem a si próprios. A este argumento, respondo que Aristóteles não quis certamente dizer que os homens pouco inteligentes estejam por natureza submetidos ao direito de um outro e que eles não tenham poder nem sobre si próprios nem sobre as coisas exteriores. Ele fala da escravatura que existe na sociedade civil: essa escravatura é legítima e não torna ninguém escravo por natureza. Se existem homens que são pouco inteligentes por natureza, Aristóteles não quer dizer que seja permitido apoderar-se dos seus bens e do seu patrimônio, reduzi-los à escravidão e pô-los à venda. Mas ele quer ensinar que eles naturalmente e necessariamente precisam ser dirigidos e governados por outros; é bom para eles estarem submetidos a outros, do mesmo modo que as crianças têm necessidade de estar submetidas aos seus pais antes de serem adultos, e a mulher ao seu marido. Que esse seja o pensamento de Aristóteles, é evidente, porque ele diz igualmente que alguns homens são senhores por natureza, a saber, aqueles que brilham pela inteligência. Ora, ele não quer certamente dizer que esses homens podem assumir o governo dos outros, sob o pretexto de que são mais sábios. Mas quer dizer que eles receberam por natureza qualidades que lhes permitem comandar e governar. Assim, admitindo que esses bárbaros sejam tão estúpidos e obtusos como se diz, não se deve por isso recusar-lhes um verdadeiro poder e não se deve contá-los entre o número dos escravos legítimos.

VITORIA, Francisco de. Relecciones sobre los indios y el derecho de guerra. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1967.

Autor: Prof. Dr. Dinair Andrade da Silva

Roteiro de análise de fonte primária elaborado com base em: “Três opiniões sobre os “bárbaros”: Fragmentos de escritos de Las Casas, Sepúlveda e Vitoria. In: ROMANO, Ruggiero. Os conquistadores da América. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1972, 89-91.

Como citar este post: SILVA, Dinair Andrade da. Roteiro de análise de fonte primária – “Três opiniões sobre os ‘bárbaros’”. In: Histórias das Américas. Disponível em: https://historiasdasamericas.com/tres-opinioes-sobre-os-barbaros/. Publicado em: 24/08/2021. Acesso: [informar a data de acesso].