Quando entrei na faculdade respondi que seria um professor universitário, à minha professora de História Antiga que indagava sobre as expectativas dos alunos daquela turma de iniciantes.

História da América

Em 1968, eu cursava o 2º ano de História e entre as disciplinas oferecidas estava a História da América.

Pela História da América, de Vicente Tapajós, na sua 5ª edição publicada naquele mesmo ano, comecei minha caminhada.

Por meio desta obra tive a primeira visão de conjunto da história do continente.

No ano seguinte, mais um ano de História da América. Foram 4 densos semestres letivos.

Ao cursar o primeiro ano de História da América, eu tentava encontrar conexões entre as tensões vividas no Novo Mundo, no contexto de duas devastações que muito me marcaram.

Uma situada no século XVI, no quadro do encontro entre homens de dois mundos: Europa e América.

A outra no final da década de 1960, inserida nas turbulências mundiais do tempo que eu estava vivendo.

Percebia duas Américas: uma duplamente devastada e fraca, outra abastada e forte (… e hegemônica).

História da América - América Invertida

Em 1968, eu já possuía uma consciência nítida que seria um professor de História da América.

Concentrei-me na área, tanto no que se refere às leituras quanto no que diz respeito à aquisição de livros, tudo conforme a orientação da Professora Gilka Vasconcelos Ferreira de Salles, minha saudosa e querida Professora de História da América.

Em 1969, fiz uma palestra: “Visão dos Problemas Latino-Americanos na Atualidade” – para professores e colegas dos Departamentos de História das Universidades Católica e Federal de Goiás.

Estágio de História da América: “Libertadores da América Espanhola”

A bem da verdade, naquela época não se falava ainda em monografia de conclusão de curso. Na Faculdade de Filosofia e Letras, da Universidade Católica de Goiás, nos anos sessenta, falava-se em “Estágio”; termo com conotação diversa daquela em voga hoje em dia.

Tratava-se de trabalho de pesquisa sistemática, centrado na disciplina escolhida pelo estudante, não necessariamente no final da graduação.

Poderia ser elaborado em duplas. Maria Antonieta de Sousa e eu fizemos nosso Estágio em História da América. Manuscrito. Em dois volumes alentados. Encadernados.

História da América - Libertadores da América Espanhola

Caligrafia e arte final impecáveis das mãos desta minha querida colega de turma.

Pagamos um desenhista para esboçar a figura de cada um deles.

Lembro-me que, por aquele tempo, o Professor Francisco Iglésias fez uma conferência em nossa Faculdade. A Professora Gilka Ferreira, que havia sido sua colega de turma, toda orgulhosa, apresentou-me ao conferencista, que manuseou com interesse os dois volumes do nosso Estágio…

Conclui minha graduação em 1970.

Estudos Avançados de História da América na Espanha

No ano seguinte, desloquei-me para a Universidade de Madri. No Departamento de História da América daquela instituição, sob a orientação do Professor Dr. Mario Hernández Sánchez-Barba, efetuei Estudos Avançados de História da América.

Os meus professores me marcaram fortemente não só pelos seus conhecimentos atualizados de conteúdos, teorias e métodos, como também pelo entusiasmo com que motivavam os estudantes a percorrerem, cada um, os seus caminhos.

A estrutura do curso de pós-graduação era constituída por uma disciplina principal: “Historia contemporánea de América”, ministrada pelo Prof. Sánchez-Barba. E por três cursos monográficos: “Historia del Americanismo” orientado pelo Prof. Ballesteros; “Arte español en América del Sur” orientado pelo Prof. Marco Dorta; “Los métodos sociológicos en la Historia de América” orientado pelo Prof. Sánchez-Barba.

Certificado de conclusão do curso. Fonte: arquivo pessoal.

Além de seguir esta estrutura, fui orientado a fazer mais dois cursos, matriculando-me como “aluno visitante”, submetendo-me ao cumprimento das mesmas exigências acadêmicas: “Historia de América en la Edad Moderna” e “Historia de los descubrimientos medievales en el Atlántico”, ambos ministrados pelo Prof. Castañeda. E em ambos avaliados com nota máxima: “Sobresaliente”.

As avaliações eram feitas por meio de trabalhos monográficos, apresentação de portfólios, seminários e provas escritas. Entre os trabalhos monográficos, cito: “Tensiones históricas entre Castilla y Portugal a raíz de los descubrimientos atlânticos (1474-1494)” apresentado à Cátedra de Descubrimientos Medievales en el Atlántico.

Certificado de conclusão do curso. Fonte: arquivo pessoal.

Certificado de conclusão do curso. Fonte: arquivo pessoal.

Com os olhos de hoje e as lembranças daquele tempo, faço uma ligeira apreciação destes professores. As aulas e seminários do Prof. Sánchez-Barba eram magistrais. Verdadeiras conferências, em que apresentava com muito entusiasmo e vibração os resultados de suas recentes investigações. Quem não chegasse à sala de aula com muita antecedência, ouvia o Mestre do corredor.

O Prof. Ballesteros possuía um temperamento calmo e sereno. Construía o seu raciocínio de maneira clara, defendendo de forma intransigente a América e o Americanismo. Herdou de seu pai – Antonio Ballesteros y Beretta (1880-1949), que dirigiu uma monumental Historia de América y de los pueblos americanos, com cerca de 30 volumes – o gosto e o amor pela América e sua história.

As análises do Prof. Marco Dorta, autor de uma vasta produção acadêmica, eram de enorme lucidez. Utilizava uma sala especial com todos os recursos técnico-visuais disponíveis à época. Homem sereno e simpático. Nunca deixava de estabelecer relações importantes entre a obra de arte e o contexto histórico de sua produção. Na verdade, foi um artista plástico no ofício de ministrar seus ensinamentos.

O Prof. Casteñeda, padre jesuíta, foi um profundo conhecedor da História da Igreja na América. Homem simples e despojado. Um autêntico humanista. Transmitia seus conhecimentos por meio de uma didática própria subsidiada pelo seu carisma, tornando-se assim uma espécie de ícone para os estudantes. O seu vasto conhecimento era transmitido com simpatia, simplicidade e bom humor.

A experiência vivida ultrapassou o denso conhecimento técnico adquirido.

Dedicatória do Prof. Sánchez-Barba - Histórias das Américas

Professor Dr. Mario Hernández Sánchez-Barba
Historia Universal de America
Fonte: arquivo pessoal.

Dedicatória do Prof. Castañeda Delgado - Histórias das Américas

Professor Paulino Castañeda Delgado
La teocracia pontifical y la conquista de America
Fonte: arquivo pessoal.

Dedicatória do Prof. Ballesteros Gaibrois - Histórias das Américas

Professor Manuel Ballesteros Gaibrois
Historia de America
Fonte: arquivo pessoal.

Dedicatória do Prof. Marco Dorta - Histórias das Américas

Professor Enrique Marco Dorta
La arquitectura barroca en el Peru
Fonte: arquivo pessoal.

Cada um daqueles professores levava para a sala de aula o que de mais novo havia como parâmetros para estudo da História da América.

Sánchez-Barba havia recém retornado da França após desenvolver estudos junto à equipe de Fernand Braudel.

Paulino Castañeda retomava suas atividades em sala de aula depois de um novo período como pesquisador no Arquivo das Índias em Sevilha.

Manuel Ballesteros assumia sua cátedra após ter atuado como professor visitante em uma universidade hispano-americana.

Marco Dorta reassumia seu laboratório de arte colonial hispano-americana ao retornar recentemente de suas pesquisas no Peru.

Um Parecer do Conselho Federal de Educação

Voto do Relator: “Face ao exposto, vota o relator no sentido de que se aprovem as modificações propostas (…) visando oferecer, também, pela via da plenificação, as licenciaturas plenas de Geografia, História (…)”. (p. 143). A Câmara de Ensino Superior, 1º Grupo, acompanhou o voto do Relator. Sala das Sessões, 6 de dezembro de 1984. Assinou o Presidente e o Relator. O Plenário do Conselho Federal de Educação aprovou, por unanimidade, a Conclusão da Câmara. Sala Barretto Filho, em 7 de dezembro de 1984. Em anexo ao processo, o corpo docente aprovado nas respectivas disciplinas: “nº 37) Dinair Andrade da Silva – História da América”. Por meio destes trâmites, obtive, portanto, a autorização do Conselho Federal de Educação para lecionar História da América no Curso Superior. Fonte: Documenta (288) Brasília, dez. 1984, p. 139-145. CESu, 1º Grupo – Par. Nº 847/84, aprovado em 7.12.84 (Procs. nºs. 1.657 e 1.658/80).

Mestrado

No meu mestrado, examinei os relatos de viagem de Auguste de Saint- Hilaire que percorreu partes dos territórios brasileiro e uruguaio.

Sob a orientação da Professora Dra. Adalgisa Maria Vieira do Rosário, apresentei, em 1992, a dissertação de mestrado à banca composta pelo Professor Dr. Jaime de Almeida e pela Professora Dra. Maria Therezinha Ferraz Negrão de Mello, além da orientadora. Programa de Pós-Graduação do Departamento de História da Universidade de Brasília. Área de Concentração: História da Relações Exteriores do Brasil.

Doutorado

Finalmente, meu doutoramento enfatizou as visões de José Martí e Domingo Sarmiento sobre a Hispano-América.

Meus estudos foram orientados pelo Professor Dr. Amado Luiz Cervo. No ano de 1997, apresentei a tese à banca composta pelo Professor Dr. Corcino Medeiros dos Santos, Professor Dr. José Flávio Sombra Saraiva, Professor Dr. Pe. José Carlos Brandi Aleixo e Professor Dr. Clodoaldo Bueno, além do orientador. Programa de Pós-Graduação do Departamento de História da Universidade de Brasília. Área de Concentração: História da Relações Internacionais. A tese foi aprovada “com louvor”.

Por conseguinte, não me tornei um professor de História da América por alguma circunstância maior ou menor!

Senão por meio de uma longa e definida construção do meu conhecimento e da minha consciência, com serenidade e firmeza, a despeito de tantos e tão trágicos percalços…

Como citar este post: SILVA, Dinair Andrade da. A minha opção em ensinar a História da América não foi por acaso. In: Histórias das Américas. Disponível em: https://historiasdasamericas.com/a-minha-opcao-em-ensinar-a-historia-da-america-nao-foi-por-acaso/. Publicado em: 04/05/2021. Acesso: [informar a data de acesso].