Instituto Paulo VI – 1970

Aluno e Professora, Siron Franco, 1986.
Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Acesso em: 05/07/2021.

Tempos de conclusão do curso

Em dezembro de 1970 eu me formei em História. Possuía um excelente relacionamento com meus colegas. Era uma turma pequena e muito unida. As mulheres eram numericamente preponderantes.

Para os estudos e a elaboração dos trabalhos acadêmicos no decorrer do curso, havia uma dupla imbatível: Dinair e Antonieta, por onde não passava, entre ambos, nada além do gosto e da paixão pela História.

No convívio com os arquivos

Dediquei, o tempo todo que me foi possível, à pesquisa historiográfica. Na Cidade de Goiás, frequentei o Arquivo do Frei Simão Dorvi, localizado no Convento dos Frades Dominicanos. Frei Simão, à época, já era um homem idoso. Usava uma batina branca, de tecido muito fino, em virtude do calor intenso na cidade.

Era um frade paciente e acolhedor. Bastava mencionar um assunto da História de Goiás e logo ele disponibilizava suas inúmeras fichas sobre o mencionado tema. Ao longo de sua vida, compulsou uma infinidade de fontes históricas. Um sem-número de papéis, documentos antigos da Capitania, da Província, do Estado de Goiás…

O visitante, Siron Franco, 1975. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Acesso em: 05/07/2021.

Apreciava, particularmente, os estudos genealógicos. Suas fichas e seus apontamentos eram guardados em dezenas de arquivos de aço num cômodo imenso do convento.

Além das minhas incursões pelo arquivo do Frei Simão, frequentei sob a orientação do meu professor de História Contemporânea, Sérgio Paulo Moreyra, o Arquivo Público do Estado de Goiás, em Goiânia.

Lá, encontrava-me com Sérgio Paulo e com outros professores, tanto da Universidade Católica, quanto da Universidade Federal, que preparavam então, suas teses de doutoramento. A experiência no manuseio daqueles papéis foi muito relevante para a minha formação de historiador.

Instituto Paulo VI

Tornei-me professor por indicação do Dr. Ariovaldo de Morais, advogado, professor de contabilidade naquele estabelecimento. Era contador de uma loja de autopeças, onde igualmente trabalhei por alguns anos.

Escola particular, localizada no bairro de Campinas, na Praça Santo Afonso, ministrava os cursos Ginasial, Comercial e Normal. Eu lecionava no período noturno para uma turma da 3ª série do Curso Ginásio Comercial.

Desta casa de ensino, guardo muitas recordações. Acredito mesmo que ali passei por um batismo com fogo, simbolizando que na profissão, em toda a sua trajetória, haveria, também, percalços e tropeços.

Beira de estrada, Siron Franco, 1987. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Acesso em: 05/07/2021.

Formalidades da admissão

A autorização dada pela Inspetoria Seccional do Ensino Secundário, do Ministério da Educação e Cultura, em Goiânia, tem o nº 567/70, e está datada de 7 de maio daquele ano. Foi assinada por Galba Otaviano da Silva, inspetor seccional.

Fui regularmente contratado, conforme a legislação trabalhista vigente, com carteira de trabalho devidamente assinada e anotada. O contrato registrado na carteira profissional, assinalava o seu início em 3 de março de 1970 e o seu término em 4 de setembro, do mesmo ano. A remuneração especificada era de Ncr$ 3,60 por aula.

A Diretora do Instituto Paulo VI, manifestou-se pela necessidade da minha contratação em 19 de março de 1970. Fonte: arquivo pessoal.

Autorização nº 567/70, do Ministério da Educação e Cultura, de 7 de maio de 1970, para lecionar História no Instituto Paulo VI, no corrente ano. Fonte: arquivo pessoal.

Departamento Nacional do Trabalho. Carteira Profissional, nº 19.889, série 154ª. Goiânia, 26 de maio de 1965. Fonte: arquivo pessoal.

Departamento Nacional do Trabalho. Carteira Profissional, nº 19.889, série 154ª. Goiânia, 26 de maio de 1965. Fonte: arquivo pessoal.

Dei de encontro com o imprevisto

A Diretora do Instituto, portadora de temperamento autoritário, mantinha o controle da instituição de forma extremamente rígida. Às vezes, áspera e desagradável ao ouvido. Saía pelos corredores falando muito alto, impondo ordens aos alunos, funcionários e professores.

A rainha, Siron Franco, 1975. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Acesso em: 05/07/2021.

O incidente

Certa feita, no mês de maio, fui aplicar a prova de História aos meus alunos. Foi neste contexto, que ocorreu um episódio desagradável entre a Diretora e eu. Tudo em razão do seu desatino que, assoberbada com suas tarefas e problemas, não possuía as virtudes da temperança e da serenidade, nem o senso do equilíbrio, no trato com as pessoas.

Entrei na sala de aula e distribuí as provas então mimeografadas, com questões discursivas e questões de múltipla escolha. Os alunos que já estavam ali acomodados, começaram a trabalhar. Silêncio profundo, na sala e no corredor. Nas outras salas também. Acredito que naquela hora outras turmas estavam sendo igualmente submetidas a testagem. Tempos de verificação da aprendizagem…

Situação, Siron Franco, 1977. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Acesso em: 05/07/2021.

Três ou quatro alunos meus, que não haviam se preparado para a avaliação, conforme depoimento deles, saíram educadamente em bloco, calados. Não permaneceram em sala mais que uns oito ou dez minutos. Mal leram as questões propostas. Eu insisti para que eles permanecessem em sala e refletissem um pouco mais sobre aqueles temas. Tudo em vão. Não ficaram.

A Diretora os viu saindo e, sem nenhum diálogo com eles, irrompeu esbravejando sala adentro, dizendo aos gritos que não tolerava professor que aplicava “prova a queima roupa”, expressão insultuosa que nunca me esqueci. A percepção dela era a de que a prova nada avaliava, e que poderia ser feita em menos de dez minutos.

Serenados os ânimos, a turma fez a prova

Os alunos permaneceram emudecidos, porém tomados de espanto. Pasmos. Aturdidos. Suas cabeças aos poucos se inclinaram à procura de caminhos para o desenvolvimento das questões. Sem alterar meu tom de voz, olhei para aquele rosto enfurecido e disse tão somente que a prova estava adequada, e que depois iria procurá-la para conversar.

Àquela altura, na minha cabeça, já havia decisão tomada. Não mais permaneceria como professor naquela instituição. Quando recebi a última prova, o horário da minha saída já ultrapassava a sua marca. Eram quase onze horas da noite. Ajuntei meu material e fui tomar o ônibus para a casa.

Compartilhando o ocorrido

1970. Neste último ano da Faculdade cursava “Didática Especial da História”. Muito envolvido com o conteúdo da disciplina, extraía dela o máximo para me instrumentalizar como professor. Levava sempre, à professora meus planejamentos e questões de provas em elaboração. Costumeiramente, recebia o seu aprovo; ou a sugestão de pequenos ajustes.

O aliado, Siron Franco, 1978. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Acesso em: 05/07/2021.

Na manhã do dia subsequente ao incidente, na Faculdade, expus aos meus professores que lá estavam o que havia acontecido. A indignação foi geral. A prova foi examinada e considerada pertinente, quer quanto à modulação dos níveis de dificuldades das questões, quer quanto aos objetivos esperados com relação ao conteúdo ministrado.

Compareci ao Instituto

À noite daquele mesmo dia, eu não daria aulas. Mas, compareci ao colégio. Educado, com tranquilidade e mansidão, entreguei à Diretora o envelope pardo com as provas corrigidas. Explicitei meu desagrado por haver sido desautorizado por ela, como professor e, mais grave ainda, diante dos meus alunos.

E que, por esta razão, eu me permitia dizer que não teria mais nenhum interesse em permanecer naquele tenso ambiente de trabalho. Os funcionários da direção, estarrecidos, ouviram a minha fala. Ficaram imóveis diante daquela circunstância imprevista. A Diretora permaneceu em silêncio. Aguardei um instante. Em seguida, pedi licença e me retirei.

Diálogo entre a rainha e o súdito, Siron Franco, 1982. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Acesso em: 05/07/2021.

Um mensageiro bate à minha porta

Passados dois ou três dias, recebi em casa um mensageiro trazendo-me um envelope com o timbre do Instituto. De pronto, pensei tratar-se de uma solicitação do contador para a formal rescisão do contrato de trabalho. Ao abrir, uma surpresa: um “abaixo assinado” dos alunos, acompanhado de uma carta da Diretora.

O “abaixo assinado” foi dirigido à Diretora, com o apelo de que fosse por ela encaminhado a mim, solicitando a minha permanência no Instituto como professor de História, para dar continuidade ao curso. O documento, datado de 27 de maio de 1970, traz a assinatura dos 29 alunos da turma.

A breve carta de Diretora possui apenas dois parágrafos. No primeiro, encaminhava a mim o “abaixo assinado” dos alunos, e de forma protocolar, manifestava “prazer” em fazê-lo. No outro, assim se manifestou: “Aos desejos de nossos alunos, uno também o nosso, apresentando-lhe antecipadamente nossos agradecimentos.”

“Abaixo assinado”, datado de 27 de maio de 1970, traz a assinatura dos 29 alunos da turma. Fonte: arquivo pessoal.

“Abaixo assinado”, datado de 27 de maio de 1970, traz a assinatura dos 29 alunos da turma. Fonte: arquivo pessoal.

Carta da Diretora do Instituto Paulo VI que me encaminhou “abaixo assinado” dos alunos. Fonte: arquivo pessoal.

Ouvi a voz do coração

Os alunos deixaram-me sensibilizados. O episódio, desagradável e desgastante, ficou como que congelado. Não se falou mais nele. E as aulas de História prosseguiram até o início do mês de setembro, quando deixei aquele estabelecimento de ensino em busca voos mais altos.

Nunca mais vi, nem jamais tive notícias daquela amargurada senhora…

Essa cabeça jamais cairá, Siron Franco, 1986. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Acesso em: 05/07/2021.

As imagens artísticas utilizadas para ilustrar este post foram produzidas por Siron Franco, pintor, ilustrador, desenhista, escultor e diretor de arte. Nasceu na Cidade de Goiás, GO, em 1947. Os primeiros estudos no mundo da Arte foram orientados por D. J. Oliveira e Cleber Gouvêa. As obras do artista plástico, que também é reconhecido internacionalmente, revelam preocupação com questões sociais, massacre dos povos indígenas e devastação da natureza.

Este é o quinto post de uma série de registros de minhas lembranças dos meus primeiros encontros com a docência que ocorreram entre os anos de 1968 e 1971, em Goiânia.

Como citar este post: SILVA, Dinair Andrade da. Soou a sirene… As aulas vão começar! Lembrança 5 – Instituto Paulo VI – 1970. In: Histórias das Américas. Disponível em: https://historiasdasamericas.com/soou-a-sirene-as-aulas-vao-comecar-lembranca-5/. Publicado em: 06/07/2021. Acesso: [informar a data de acesso].