Colégio de Aplicação – 1971
Criança geopolítica observando o nascimento do homem novo, Salvador Dalí, 1943.
Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em: 13/07/2021.
Mundo a fora
A China foi admitida na Organização das Nações Unidas, em substituição a Formosa. O Paquistão do Leste declara a sua independência do Paquistão e se torna a República Popular do Bangladesh.
Um grupo de jovens médicos e jornalistas franceses, funda uma organização humanitária internacional – Médicos Sem Fronteiras, que atua junto às populações vulneráveis, vítimas de conflitos armados, desastres naturais e epidemias.
Em duas Américas
Nos Estados Unidos, a corrida espacial e os mega investimentos na área do lazer estavam em alta. O módulo Antaris, do Programa Apollo, pousou suavemente na cratera Fra Mauro da superfície lunar. Walt Disney World e o Parque Magic Kingdon foram inaugurados em Orlando.
A América Latina assistia a uma sucessão de golpes de Estado. Recordo a ascensão do General Lanusse na Argentina e a do General Hugo Banzer na Bolívia. Enquanto isso, o lançamento do livro de Eduardo Galeano: As veias abertas da América Latina, repercutia fortemente no subcontinente, principalmente entre os intelectuais de esquerda.
No Brasil
Vivia-se a resistência à ditadura. A Vanguarda Popular Revolucionária, grupo guerrilheiro de esquerda, em meados de janeiro, libertou o Embaixador da Suíça, Giovanni Enrico Bucher, por ela sequestrado, trocando-o por setenta prisioneiros políticos.
Entretanto, o governo mostrou a sua força no mês de setembro, matando o ex-capitão Carlos Lamarca líder daquele grupo, servindo-se de uma emboscada arquitetada pelas forças de segurança, em Pintada, no Estado da Bahia.
Os primeiros dias da primavera, Salvador Dalí, 1929. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em: 13/07/2021.
Em Goiás
Com o fim do mandato de Otávio Lage, o executivo goiano foi exercido a partir de março de 1971, pelo ex-prefeito de Goiânia, Leonino Di Ramos Caiado. E o Estado continuava na sua condição de ente periférico da Federação.
Em destaque a cultura goiana. Bernando Élis se tornou imortal em meados da década. Outros nomes podem ser lembrados na literatura: Eli Brasiliense e Carmo Bernardes. Nas artes plásticas: Frei Nazareno Confaloni, D. J. Oliveira, Octo Marques, Ana Maria Pacheco e Amaury Menezes foram grandes referências.
Uma escola cujo objetivo era a excelência pedagógica
No início de 1971, Maria Augusta Sant’Anna de Moraes e Dalísia Elisabeth Martins Doles, minhas antigas professoras, indicaram o meu nome à diretora do Colégio de Aplicação, da Faculdade de Educação, da Universidade Federal de Goiás, Zaíra da Cunha Melo Varizo, para integrar, como professor de História, o corpo docente daquele estabelecimento.
Curriculum Vitae
Creio que fui orientado no sentido de apresentar este documento à diretora do Colégio. Eu o encontrei entre os papéis referentes à minha passagem por aquela escola. São três páginas datilografadas. Está datado de Goiânia, 12 de janeiro de 1970.
Diante dos meus olhos de hoje em dia, eu diria que se tratava de um conjunto de informações singelas. Verdadeiras e sinceras. Era meu retrato intelectual de então. Após o parágrafo em que eu me identifiquei, vinha a sequência dos estudos formais, a partir do Curso Primário até o Curso Superior, ainda em andamento. O documento deveria ter sido atualizado, mas não foi.
Fiz menção ao “1º Lugar em Contos Regionais”, obtido no concurso literário promovido pelo Grêmio Félix de Bulhões, do Liceu de Goiânia; ao estudo da língua inglesa por um ano; a experiência como professor da Escola José de Alencar; a palestra pronunciada para alunos e professores dos Cursos de História da UFG e UCG.
O Curriculum relacionava 7 Cursos de Extensão Universitária assistidos; identificava 19 tópicos de pesquisas elaboradas como estágios e aulas práticas na Faculdade e mencionava a organização de dois fichários bibliográficos: um específico sobre a História de Goiás e outro abarcando a História Universal.
Trâmites para a minha contratação
Toda a tramitação foi muito rápida. Em 29 de março daquele ano, assinei o contrato de trabalho. A contratante foi a Universidade Federal de Goiás, representada pelo seu reitor, professor Farnese Dias Maciel Neto. Obriguei-me a desempenhar todos os trabalhos que me fossem cometidos, na qualidade de professor de curso secundário, com uma carga horária de 20 horas semanais.
A vigência do contrato era de 4 meses e 9 dias, contados a partir de 23 de março de 1971 até 31 de julho do mesmo ano, podendo ser rescindido por manifestação de qualquer das partes contratantes.
O regime jurídico era o previsto pela CLT, observadas as normas baixadas pelo Estatuto do Magistério Superior e legislação posterior. O salário mensal era NCr$ 1.060,00. Bom salário, para um professor recém-formado e com pouca experiência.
As formalidades da prática educacional
A regra, nas Faculdades de Educação de então, era o formalismo. Hoje em dia, passados cinquenta anos, não é impossível encontrar resquícios bem visíveis destes excessos de formalidades, sobrepondo-se às possibilidades da criação e da inovação. A educação continua sendo uma das práticas intelectuais mais conservadoras. Os lampejos progressistas são costumeiramente obscurecidos em pouco tempo pelo conservadorismo.
Naquele Colégio não era diferente. A despeito do discurso inovador, havia uma excessiva regulamentação que ofuscava intensamente o menor ímpeto de criatividade. Além de tudo isto, estávamos vivendo os “Anos de Chumbo”. E os agentes policiais andavam às soltas, à procura de dissidentes. As direções de estabelecimentos, públicos ou privados, mesmo em consonância com o regime, viviam sobressaltadas…
Todas as atividades eram rigorosamente supervisionadas. Os formulários se prestavam a tudo… Identificações, objetivos, datas de início e de conclusão da atividade; conteúdo, metodologia, atividades previstas, bibliografia, “Observações e Visto do Superior”. Muitas fichas de controle. Avaliação do professor: aspecto e aparência, entusiasmo pela profissão, procedimento no Colégio, noção de responsabilidade, capacidade criadora, colaboradora, de elaborar e executar planos etc.
O Sistema de Aprovação dos Alunos estava minuciosamente estabelecido. A avaliação do rendimento escolar era feita por escalas; e, a aprendizagem dos alunos era avaliada pelos níveis A, B e C, sendo A, o nível inferior; B, o nível médio; e C, o nível superior.
Múltiplas turmas
Turmas e conteúdos trabalhados múltiplos. Eu ensinava OSPB, para a 4ª Série Ginasial; História Geral, para o 1º e o 2º Ano Colegial; História do Brasil, para o 2º Ano Normal.
Duas provas de cada turma, sobreviveram a este meio século, mesmo com tantas turbulências na minha vida pessoal, e estão entre meus papéis. Há uma prova da 1ª Escala, do tipo bimestral, e uma prova da 2ª Escala ou de final de semestre. As provas do primeiro tipo foram divididas em duas partes: primeira, colocar certo ou errado nas proposições, justificar as erradas; e, segunda, responder as questões abaixo. Já as provas do segundo tipo incluem um texto para análise, além de diversas modalidades de questões subjetivas.
Farei um brevíssimo comentário do que me chamou muito a atenção à época. Na prova da 2ª Escala da 4ª Série Ginasial, foi pedido uma crítica de um texto e a exposição do pensamento do aluno sobre o assunto. O texto, de 13 linhas, foi retirado do livro OSPB, de Humberto de Medeiros, 1971, utilizado em classe, e tem como tema ditadura e Estados totalitários. Os governos autoritários foram nomeados individualmente: o da Alemanha nazista, o da Itália fascista, o de Cuba, o da Rússia e o da China continental comunistas. Naturalmente, nenhuma alusão à ditadura brasileira… E nem os alunos a inseriram nos seus comentários!
Um texto sobre História de Goiás
Em junho de 1971, escrevi um texto de 10 páginas sobre “Goiás no contexto do Império brasileiro”. O material, de circulação restrita, foi mimeografado e distribuído. Destinava-se a atender às necessidades de estudo de História de Goiás, no 2º ano Normal.
Atividades administrativas
O professor deveria desenvolver outras atividades além da docência propriamente dita. A direção do Colégio, por meio de portarias, fazia a distribuição das tarefas entre os docentes, designando comissão de trabalho e especificando prazos. No final do documento, antes da data e da assinatura da diretora, vinha uma ordem expressa: “Dê-se ciência e cumpra-se”.
Entre minhas tarefas citam-se: “Elaborar os programas de Geografia e História para os exames de seleção aos Cursos Ginasial e Colegial Unificado”; “Elaborar Anteprojeto do Regulamento da Biblioteca Professor Jerônimo Geraldo de Queiróz, deste Colégio”; “Organizar as comemorações da Semana de Pátria”.
Orientei um estágio supervisionado de uma aluna-mestra, que exerceu suas atividades pedagógicas nas minhas turmas dos 1º e 2º anos do Curso Colegial e do 2º ano do Curso Normal. Coloquei à disposição da aluna, um roteiro de trabalho, com a indicação das atividades a serem desenvolvidas, dos temas que deveriam ser analisados e do cronograma previsto para a realização das tarefas.
Uma prestação de serviço
Quando pertencemos a uma instituição de ensino que dispõe de projeção e credibilidade no âmbito da sociedade, torna-se mais fácil a construção de nossa trajetória intelectual e o nosso avanço acadêmico. A Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Goiás, instituiu um concurso público, para a composição do corpo docente e técnico do Ginásio Polivalente Modelo, prestes a ser inaugurado em Goiânia.
A Secretaria contactou a Faculdade de Educação da UFG, e esta, o Colégio de Aplicação, para sugerir nomes para compor a Banca Examinadora do mencionado concurso. O Diário Oficial do Estado publicou a Portaria nº 354, de 30 de junho de 1971, instituindo a Banca Examinadora, onde constava o meu nome e os de alguns outros colegas do Colégio.
VI Simpósio Nacional da ANPUH
Entre os dias 7 e 12 de setembro de 1971, aconteceria em Goiânia, o VI Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História. Eu estava muito interessado em participar daquele evento, com apresentação de trabalho. À época, a ANPUH estimulava os jovens historiadores a realizar levantamentos das fontes históricas das cidades dos seus respectivos Estados.
Assim motivado, apresentei, em 28 de junho de 1971, um pedido formal de afastamento de minhas atividades do Colégio à professora Zaíra, para preparar minha comunicação no período de 15 a 30 de julho. A despeito de julho ser período de férias dos estudantes, nós professores deveríamos estar no Colégio durante nossos horários habituais. Obtive a licença e realizei o trabalho.
Em 2 de agosto, apresentei Relatório à direção do Colégio, anexando cópia dos arrolamentos de fontes históricas, enviados à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Primeira participação em um congresso
No dia 9 de setembro, fiz a minha comunicação no VI Simpósio Nacional, na 6ª sessão de estudos. Foi para mim um feito extraordinário. Ao final da minha fala, a Professora Ana Lúcia da Silva interveio, cumprimentando-me pelo meu trabalho.
Deu-me também a oportunidade de denunciar a destruição das fontes históricas que ocorria então em Porto Nacional e em Luziânia “devido à ausência de condições mínimas de conservação, nos locais onde se encontram”. (Anais… vol. III, São Paulo, 1973, p. 602).
Naquela oportunidade, a professora parabenizou-me pela obtenção de uma Bolsa de Estudos na Espanha, mencionando meu embarque, quase que imediato para Madri.
Ainda na sala onde eu havia feito minha comunicação, fui procurado por uma professora da Universidade de Brasília, que mencionou o fato de que estava concluindo o seu doutorado na Universidade de Madri, faltando apenas a defesa da tese. Falou-me do curso de História na sua universidade. Era a professora Adalgisa Maria Vieira do Rosário…
A persistência da memória, Salvador Dalí, 1931. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em: 13/07/2021.
Contrato renovado
Em 20 de agosto de 1971 fui informado pela professora Zaíra, que eu havia sido reconduzido ao Colégio, para o período de 1º de agosto a 31 de dezembro de 1971, pelo Magnífico Reitor, conforme a Portaria 0978/71 de 12 do corrente mês.
Pedido de exoneração
Entretanto, em 8 de setembro encaminhei à diretora do Colégio ofício expondo a minha situação de contemplado com uma bolsa de estudos de pós-graduação na Espanha, concedida pelo Instituto de Cultura Hispânica de Madri; e requerendo afastamento das minhas funções no Colégio com a maior brevidade possível. Estava correndo contra o tempo pois deveria me apresentar à sede do Instituto no dia 20 de setembro vindouro. Felizmente consegui, de imediato, meu afastamento.
As imagens artísticas utilizadas para ilustrar este post foram produzidas por Salvador Dalí destacado pintor e escultor catalão. Nasceu e faleceu em Figueres (1904-1989). Reconhecido por suas obras surrealistas. Foi amigo do poeta Frederico Garcia Lorca.
Este é o sexto post de uma série de registros de minhas lembranças dos meus primeiros encontros com a docência que ocorreram entre os anos de 1968 e 1971, em Goiânia.
Como citar este post: SILVA, Dinair Andrade da. Soou a sirene… As aulas vão começar! Lembrança 6 – Colégio de Aplicação – 1971. In: Histórias das Américas. Disponível em: https://historiasdasamericas.com/soou-a-sirene-as-aulas-vao-comecar-lembranca-6/. Publicado em: 13/07/2021. Acesso: [informar a data de acesso].
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